O que começou como uma troca de comando na Petrobras metastatizou em apenas 48 horas em uma nova fase do governo Bolsonaro: uma menos ligada à racionalidade econômica e mais preocupada em garantir preços módicos em tudo aquilo que o Governo pode interferir.

Empresários, investidores e políticos com pelo menos dois neurônios passaram o final de semana ao telefone, assustados com as implicações desta nova fase para o País e os mercados, que terão amanhã seu primeiro teste.

10518 be40975c d3fb 0009 000b b457af136a4cÉ impossível, a esta altura do campeonato, que as consequências deste novo ativismo presidencial fiquem restritas à ação da Petrobras.  A incerteza semeada pelo próprio Presidente vai contaminar os mercados de ações, câmbio e o maior e mais sensível deles: a curva de juros, que determina o preço e a disponibilidade de crédito na economia.

Empresários e investidores vão sofrer, mas como sempre é o pobre que pagará a maior conta.

O que o presidente — aparentemente assessorado por um pequeno grupo de puxa-sacos ou pessoas sem coragem de lhe dizer a verdade — provavelmente não sabe é que o mercado financeiro não é desconectado da economia real, e seu voluntarismo custará caro ao País, e mais cedo do que ele imagina. 

Os R$ 28 bilhões de valor de mercado que a Petrobras perdeu na sexta-feira serão apenas um tira-gosto do que pode acontecer nos próximos dias, se o Presidente não recuar e começar a praticar uma política econômica baseada em seu “feeling” e intuição de “homem comum.”

O mercado financeiro não é descolado da economia real. Ele existe para dizer o preço justo das empresas, da moeda e do custo do capital levando em conta fundamentos micro e macro. Neste momento, Bolsonaro está sabotando os dois.

Ontem, o presidente disse que vai “meter o dedo” na energia elétrica, sinalizando algum tipo de intervenção nos contratos que regem o funcionamento das empresas.

Como os contratos em vigor garantem às distribuidoras aumentos de pelo menos 10% na próxima revisão tarifária, Bolsonaro quer — como Dilma — inventar um jeito de não haver aumento. (O resultado do plano Dilma: o preço da energia explodiu.)

A principal missão de um governo não é fazer alguma coisa: é não atrapalhar.  A principal moeda com que o mercado trabalha não é o Real nem o dólar, é a confiança. E a confiança está sendo amputada pelo Presidente, de declaração em declaração. Talvez, já tenha sido perdida para sempre.

Até os amigos estão perdendo a paciência.

Um empresário que sempre foi construtivo em relação ao Governo em erros anteriores disse ao Brazil Journal que “o último fio de esperança acabou”.

Já Salim Mattar, um bolsonarista de primeira hora, veio a público classificar a substituição de Roberto Castello Branco como o ato de um “governo autoritário e truculento”. 

Salim desafiou Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes a privatizar as estatais, e, ressalvando que o general Joaquim Silva e Luna [próximo presidente da Petrobras] é um “indivíduo muito bem preparado”, disse:

“Me desculpe, mas estamos militarizando demais o país. O militar é para quartel. Temos que colocar um homem de mercado na Petrobras. Um homem que saiba o que é um departamento de relações com os investidores. Esse é o tipo de pessoa que precisamos em uma empresa listada. O governo brasileiro está mostrando que não é confiável.”

Horas depois, mesmo antes de sentar na cadeira, Silva e Luna fazia sua primeira declaração infeliz, mostrando que fala a mesma língua que Bolsonaro.

“É preciso olhar o investidor [da Petrobras], mas também o brasileiro,” o indicado disse à colunista Ana Flor, do G1, sem entender que como CEO da Petrobras, sua obrigação é cuidar apenas dos interesses da empresa, e que quem cuida dos brasileiros é o Governo — uma confusão de papéis que está no centro do problema atual.

Ontem, o presidente continuou jogando gasolina na fogueira das expectativas. “Se a imprensa está preocupada com a troca de ontem, semana que vem teremos mais,” disse Bolsonaro, acrescentando que a troca envolverá “não bagrinhos, mas tubarão.”

O Presidente achou pelo menos uma pessoa para concordar com sua linha de raciocínio: Ciro Gomes. O futuro candidato a Presidente tentou explicar à Jovem Pan “por que os preços dos combustíveis estão subindo.”

“A Petrobras resolveu — do Michel Temer pra cá — cobrar o barril de petróleo pelo preço de oportunidade especulativo (sic) do estrangeiro, e não pelo custo daqui,”  explicou Ciro, que, como Bolsonaro, acha tudo muito esquisito. 

As ações de um e os comentários de outro refletem um País que padece de uma direita e uma esquerda igualmente populistas e demagógicas, e ainda incapaz de construir um caminho pelo centro.

Aliás, neste capítulo, as comparações entre Dilma Rousseff e Bolsonaro feitas nos últimos dias são injustas com a ex-Presidente:  Dilma era uma mulher de esquerda, eleita e reeleita com um discurso intervencionista.  Bolsonaro foi eleito com a plataforma oposta, o que evidencia o estelionato agora em curso.

Neste momento, as únicas chances do País escapar de uma deterioração de confiança: o Presidente parar de ter novas ideias, e/ou o País continuar se beneficiando da liquidez internacional, que continua robusta. Mas quando os próprios brasileiros param de acreditar que as coisas vão melhorar, qual investidor internacional vai apostar no País?

Nesta nova fase, o Presidente pode se cercar de todos os sargentos, almirantes e generais que quiser, mas será difícil governar contra a realidade econômica.  

Se insistir nisso, o Presidente poderá até ser reeleito, mas seu segundo mandato terá um País mais parecido com a Caracas dos dias de hoje do que com o Brasil que tínhamos até semana passada.

Como ensinou certa vez sua antecessora, “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.”