Desde que um ataque cardíaco levou Edson Bueno em fevereiro deste ano, sua ex-mulher e sócia na construção da Amil, Dulce Pugliese, se encontra toda semana com os advogados da família.

A missão: lidar com a sucessão de um portfólio de ativos que inclui a Ímpar, uma holding de seis hospitais; o controle da DASA, a empresa de medicina diagnóstica presidida pelo filho de Edson, Pedro Bueno; uma carteira de imóveis; e a liquidez gerada com a venda da Amil para a UnitedHealth em outubro de 2012.

Dulce PuglieseDe lá pra cá, Dulce diz que já viu de tudo: houve notas na imprensa dando conta de que a família estaria brigando (o que Dulce nega categoricamente), um suposto acordo pelo qual a viúva de Edson, Solange, receberia R$ 400 milhões (que Dulce diz não poder confirmar nem negar), e notas sobre a iminência da vendas de ativos (algo que, tudo indica, permanece distante).

“Uma revista publicou que eu tinha voltado às pressas dos EUA para defender meu filho na briga pela herança. Não moro nos EUA há 10 anos, e a foto da tal Dulce na revista nem era a minha,” diz a Dulce real, achando graça do surreal. 

Médica pediatra, com um PhD em administração pela Universidade do Texas em Austin e professora assistente de pediatria na UFRJ antes de fundar a Amil, Dulce foi casada com Edson 17 anos: a filha do casal, Camila, hoje mora em Londres e administra a liquidez da família.

Sobre uma suposta briga na família, Dulce afirma: “Não tem briga. Desde que o Edson faltou, a gente nunca esteve tão unido. A gente trabalha junto o tempo todo. Temos um grupinho no Whatsapp que a gente alimenta o tempo todo com trabalho e com coisas da família, mas principalmente com trabalho. A gente está sempre junto e trabalha nos assuntos juntos. Somos muito, muito, muito unidos.”

Esta é sua primeira entrevista publicada depois da morte de Edson.

 

Você construiu seu patrimônio e fez toda sua vida ao lado do Edson.  Como se sente agora sendo uma mulher ilíquida, com todos os seus bens presos num inventário?

[Risos]  São coisas da vida. Valeu muito a pena fazer tudo com ele, de comum acordo. O Pedro [Bueno, seu enteado] brinca que é o bilionário mais pobre do País, o que se aplica a todos nós.  

Edson e eu tínhamos testamentos cruzados com usufruto de voto sobre todas as ações, de um para o outro, para quem sobrevivesse.  Então, o Edson me deixou esse usufruto.  Aqui, a família conversa e trabalha por consenso, mas se um dia for necessário fazer uma determinação, ela pode ser feita por uma pessoa.

Como está sendo organizada a sucessão do ponto de vista dos papeis legais?

O Pedro é o inventariante e eu sou a testamenteira. 

Quanto tempo deve durar esse inventário?

A gente não sabe. O valor é grande, e isso em princípio faz o próprio juiz ficar preocupado em tomar decisões. Então não é um processo rápido, não é um processo fácil. Mas estamos tomando todos os passos para andar o mais rápido possível. Os advogados estão nos falando que deve demorar no mínimo dois anos.

O que muda na governança das empresas agora?

Não muda nada porque as empresas não dependem de uma pessoa. A diferença é que eu estou com os votos de todas as ações, mas temos as empresas todas profissionalizadas, com equipes competentes que já vinham tomando conta das empresas.  Na Dasa, eu assumi a posição no conselho que pertencia ao Edson.

Vocês tem sido procurados por muita gente interessada nos ativos?

Principalmente da Impar. Tivemos uma quantidade enorme de entidades e instituições nos procurando e querendo negociar a compra.  Mas a gente ainda não sentou com nenhum deles, não os ouvimos ainda. A gente acredita até que isso foi causado por uma nota que saiu dizendo que teríamos que vender para Rede D’Or ou para a UnitedHealth.  Depois da nota é que essas pessoas todas resolveram se qualificar e indagar se existia uma oportunidade para eles comprarem alguma coisa. E o alvo principal era a Impar, os hospitais. 

Talvez essas pessoas tenham achado que a família estava desesperada para vender porque o Edson não estava mais aqui, ou porque a gente não saberia tocar… 

Voce acha que tem muita gente achando que a família não saberia tocar as empresas depois da morte do Edson?

É minha impressão, porque não é possível que tantas organizações estivessem interessadas no mesmo ativo, que não foi anunciado.

Tem dois compradores mais lógicos pra Impar, que são as duas maiores redes de hospitais do Brasil: a Rede D’Or e a UnitedHealth.  Eles te procuraram?

Não. Nenhum dos dois.

 
O Edson estava tendo conversas para vender os hospitais?
 
Não, não estava.
 
Vocês poderiam vender agora, se aparecer comprador?
 
Teríamos que levar a decisão de vender ao juiz. É possível, mas é complicado…

Vocês têm uma visão de que esse negócio de hospitais deve ficar na família, como renda, pra sempre, ou ele tem um preço certo?

Não existe negócio como renda pra sempre. Negócio tem que ser tocado com competência e permanentemente, e todas as coisas no Universo têm início, meio e fim. A gente vê muito potencial na Impar, acredita que tem muita coisa pra fazer.  Não é um ativo que esteja em fase de declínio… pelo contrário: é uma indústria que está muito bem, está florescendo, com as dificuldades normais num mercado em crise, etc etc, mas com uma perspectiva muito boa.  Então, não é um ativo que deva ficar para sempre nem um ativo do qual a gente esteja desesperado para se livrar. É basicamente como qualquer outra coisa que a gente tem.

Meses antes do Edson morrer, vocês compraram a Mafra Hospitalar, uma distribuidora de medicamentos e materiais médicos. Foi uma verticalização do negócio de hospitais?

Foi um dos aspectos dela.  Essa aquisiçào foi feita por meio da DNA Capital [veículo de investimento da família]. A gente vai testando determinadas atividades que podem ou não ser sinérgicas com o que a gente já tem. Aquela ali particularmente tem um potencial enorme de sinergia, mas essa aquisição ainda não foi aprovada pelo CADE, então temos que esperar para ver o que vai acontecer.

Você e o Edson já pensavam em planejamento sucessório há pelo menos 20 anos, não é verdade?

Eu estava nos EUA, na Amil de lá [nos anos 90], quando a gente começou a trabalhar com planejamento sucessório. Nós todos iríamos a um curso em Harvard pra planejamento. Não me lembro agora o nome do professor.  Antes de ir ao curso, eu peguei o livro do professor sobre planejamento sucessório e li, e disse pro Edson, ‘Não é por aqui. A gente não vai lá. Esse homem trabalha com famílias brigando.’ E todos os experts, os especialistas que a gente pegou ao longo dos anos ficavam muito chateados porque viam que a família não brigava! A entrevista de introdução era assim: “O que você acha do Pedro?”  Eu dizia:  “Menino brilhante, adoro ele.” “Mas a sua filha se dá bem com ele?” “Muito bem!” No fim da entrevista, eles chegavam a conclusão que não tinham nada pra ajudar. 

Isso era 1998 ou 1999. Tem quase 20 anos que começamos a olhar isso.  O Edson começou a olhar para pessoas jovens na empresa, que mostravam potencial, e a procurar treinar essas pessoas, colocá-las em posição de gestão em que eles pudessem se desenvolver e alcançar posições mais altas para serem sucessores dele e de outros executivos. Mas acabou que o Pedro se tornou o líder da Dasa e a Camila ficou encarregada da gestão da liquidez, e no fim a sucessão acabou virando a própria família.

O que estava na cabeça do Edson nos últimos dias?

Ele dizia que ia trabalhar menos.  Ele tinha acabado de sair da Amil. Ele saiu da Amil na sexta-feira e faleceu na terça.  Ele passou conosco esses dias.  O Pedro veio de São Paulo mostrar um trabalho para mim e pro Henrique [genro de Dulce], e a Camila veio de Londres com a família toda.  Estávamos todos em Búzios, e ele dizendo que ia trabalhar menos — o que eu duvido muito — que ia viajar mais a lazer, ia passar um mês por ano em Londres com os netos, ia dedidcar mais tempo à Dasa, e coisas assim.  Tinha muitos e muitos planos.

Você estava me contando antes da entrevista que vocês quase deixaram de ser sócios, né?  Como foi essa história?

O Edson sempre foi muito justo comigo. Quando a gente se separou de fato, antes do divórcio, ele me ofereceu o dinheiro equivalente à metade do valor da empresa na época, mas eu disse a ele:  “Se eu pegasse esse dinheiro, onde é que eu vou aplicar isso? Não tem lugar melhor pra eu aplicar do que aqui com você.” E parece que eu estava certa.  [risos]

Foi o melhor investimento, né?

O melhor investimento possível.