Desde o final de agosto, três vezes por dia, quase cinco mil pessoas pagam US$ 200 para assistir um clássico em Las Vegas. O resultado: mais de US$ 2 milhões em bilheteria diária, o maior sucesso já visto em uma única sala de cinema.
O detalhe: esse blockbuster não nasceu em 2025, mas em 1939, quando naufragou nas bilheteiras. O Mágico de Oz voltou 86 anos depois para reescrever a economia do entretenimento.
James Dolan, um herdeiro de mídia de Nova York, dono do Madison Square Garden, dos Knicks e dos Rangers, investiu US$ 2,3 bilhões para erguer a Sphere, que abriu em 2023 e logo fez seu IPO.
Chamado de “egotrip” no início, hoje é estudado em Wall Street como um caso raro em que visão e execução se alinham. As ações da Sphere Entertainment subiram 51% no último mês com a euforia em torno da demanda. Com o papel num novo all-time high, a empresa já vale US$ 2,17 bi na NYSE.
Dolan nunca quis apenas mais uma arena. Sua tese era criar um espaço que fosse ao mesmo tempo palco de shows, ponto turístico e cinema imersivo, apoiado em tecnologia própria de LED, som e efeitos ambientais. Em Vegas, uma cidade que nasceu dos cassinos e foi reinventada nos anos 80 por Steve Wynn com resorts de luxo, Dolan agora aposta num terceiro ato.
Para trazer Dorothy de volta, desembolsou US$ 100 milhões e licenciou os direitos junto à Warner Bros. Discovery. O estúdio recebe uma taxa fixa e uma fatia pequena da bilheteria. Dolan fica com o restante. Para a Warner, era só mais um título esquecido no catálogo de streaming. Para a Sphere, virou uma mina de geração de caixa com margens gordas, e ainda reposicionou um IP clássico no imaginário pop, algo que Hollywood tenta replicar há décadas com adaptações do mesmo filme.
A esfera financeira
O modelo é simples. Nos shows, como U2 ou Backstreet Boys, que recentemente tiveram residência na Sphere, a maior parte da bilheteria vai para os artistas. A Sphere lucra com camarotes, concessões e patrocínios. Já nos filmes, a equação se inverte: quase toda a receita fica na casa.
Analistas estimam que a Sphere deve gerar cerca de US$ 400 milhões só com filmes em 2025, o dobro da receita dos concertos, com margens próximas de 70%. Se a Sphere fosse uma hamburgueria, os shows seriam o ketchup que dá cor e sabor. Já os filmes são o hambúrguer suculento que sustenta o negócio.
Lá dentro, a experiência é mais parque temático do que cinema. Quando o tornado chega ao Kansas, ventiladores de alta potência lançam rajadas de vento de até 70 km/h sobre a plateia, sincronizados ao som e às imagens. O filme foi encurtado para 75 minutos e redesenhado com inteligência artificial para caber na maior tela de LED do mundo. Críticos reclamaram da ousadia. O público saiu maravilhado.
A concorrência já sente a pressão. A Disney havia recusado liberar Star Wars para Dolan. A Universal aproveita agora a maré com a parte 2 de Wicked, que estreia em novembro, surfando na renascença cultural do universo de Oz.
Backstreet is back
E Dorothy não foi o único clássico que renasceu. A residência dos Backstreet Boys mostra o poder do modelo. O grupo, um símbolo dos anos 2000, fatura cerca de US$ 4 milhões por apresentação, com ingressos médios de US$ 500. A residência transformou a nostalgia em negócio de altíssima margem e atraiu uma geração que há anos não via motivo para voltar à cidade.
Parte da equação vem do buy now, pay later, que virou propulsor na indústria de entretenimento nos Estados Unidos. No Coachella deste ano, 60% do público parcelou os ingressos. Uma tendência que mantém a demanda aquecida mesmo em tempos inflacionários.
Tudo isso em um cenário adverso. Em julho, o turismo em Las Vegas caiu 11% em relação ao ano anterior, com os hotéis relatando queda de ocupação e trabalhadores de gorjeta reclamando da generosidade dos turistas. A Sphere anda na contramão.
Enquanto a cidade sofre com preços altos, a esfera futurista de Dolan cria desejo suficiente para cobrar mais e lotar.
A estrada dourada de Vegas
O plano vai além de Nevada. Dolan já anunciou uma Sphere em Abu Dhabi e versões menores em outras cidades. Oz e Postcard From Earth, o outro filme em cartaz, viraram propriedades evergreen, projetadas para rodar eternamente a cada nova leva de turistas. Em call com os analistas, Dolan foi direto: “Vamos passar Oz para sempre,” E por que não na cidade que não dorme?
O raciocínio é claro. Se Las Vegas já rende mais de US$ 2 milhões por dia com um musical de 1939, imagine o potencial de franquias como Harry Potter ou Star Wars. O mercado entendeu. Shows dão prestígio. Filmes dão margem.
A Sphere é uma máquina de transformar propriedade intelectual em dinheiro, convertendo catálogos do passado em espetáculo tecnológico. Se Las Vegas nasceu dos cassinos e foi reinventada por resorts com spas de luxo, agora James Dolan aposta que o futuro da Strip será escrito em AI e pavimentado com IPs capazes de render bilhões.