Foi um longo inverno de mais de três décadas, mas a Bolsa de Tóquio saiu de sua hibernação.
A recuperação demorou ainda mais que as duas décadas necessárias para Nova York retomar o nível pré-crash de 1929. Na última semana, o índice Nikkei 225 alcançou a sua maior marca desde 1989, superando ligeiramente o patamar em que se encontrava há 34 anos, antes do estouro épico da bolha japonesa.
Em uma história que soaria inacreditável até pouco tempo atrás, Tóquio aparece de novo entre as bolsas mais dinâmicas do mundo.
O Nikkei – cujo nome é uma contração de ‘Nihon Keizai,’ que significa ‘Japão Economia’ – subiu 28% no ano passado, o melhor desempenho entre os mercados da Ásia. Em 2024, a alta acumulada já é de 17%.
Em sua mínima, em 2008, o índice havia ficado abaixo dos 8.000 pontos. Agora já beira os 40.000 pontos, em uma valorização de quase 400% desde o fundo do poço.
As reformas iniciadas dez anos atrás começaram a dar resultado. Ao mesmo tempo, a economia recuperou ânimo com a ajuda de uma nova geração de empresas na indústria de tecnologia e no varejo. Um dos símbolos desse novo Japão é a Uniqlo, do grupo Fast Retailing, dono do sétimo maior valuation no mercado japonês, logo acima do Softbank.
Apesar da retomada, as ações listadas no Japão representam apenas 5% do valor das ações globais. É uma fração dos mais de 40% de share da capitalização mundial que elas chegaram a ter no auge da bolha.
Um dos fatores que ajudam a empurrar as ações para cima agora é que o Japão voltou a ter crescimento nominal, contribuindo, ao lado do iene fraco, para o aumento dos lucros.
Em2024, a economia japonesa, em termos nominais (ou seja, sem descontar a inflação) cresceu 5,7%, a despeito da retração, em termos reais, na segunda metade do ano. Pela primeira vez em 46 anos, o Japão superou a China, cujo PIB nominal avançou 4,6%. Agora são os chineses que entraram em deflação – e há quem veja o risco de o país passar por uma ‘japanização.’
Com a alta na atividade econômica japonesa, veio também a inflação. Sim, você não está lendo errado: o Japão, até pouco tempo atrás símbolo de estagnação e deflação sem fim, voltou a ter crescimento do PIB e inflação. Em 2023, a alta de preços ficou em 3,1%, o maior índice em 41 anos.
São indicadores de que o Japão vai conseguindo deixar para trás sua balance sheet recession profunda. Entre outros motivos estruturais – como a demografia – a retomada demorou a ocorrer porque os bancos e empresas levaram anos para reciclar a montanha de dívidas ruins que contaminaram os seus balanços.
A retomada, de acordo com o Morgan Stanley, coincide com a nova estratégia de crescimento que o primeiro-ministro Fumio Kishida definiu como “uma nova forma de capitalismo.”
A fórmula não tão inédita coloca o Japão em sintonia com os novos tempos de ameaça geopolítica vinda da China, além da necessidade de lidar com os desafios de manter a dianteira em áreas como energia limpa e inteligência artificial.
Em 1990, quando o mercado japonês entrou em declínio, o crescimento potencial japonês era estimado em 3,7% ao ano. Agora, segundo a OCDE, o crescimento potencial seria de 0,4%. Kishida tem como meta elevar o número para 1%.
No fim do ano passado, o Governo anunciou um pacote equivalente a US$ 250 bilhões entre investimentos e subsídios para incentivar a produtividade.
As reformas mais profundas começaram com o ex-premiê Shinzo Abe, que aprovou medidas para flexibilizar e desburocratizar a economia altamente regulada do país. Em seu segundo mandato, iniciado em 2012, Abe incentivou que as empresas trouxessem mais conselheiros e executivos externos, além de um maior foco nos lucros e no retorno dos acionistas.
“O mais poderoso game changer para as ações japonesas nos últimos anos foi a reforma na governança corporativa,” diz a Goldman Sachs. “As empresas aprimoraram a gestão de capital e estão usando o excesso de caixa para recomprar ações e pagar mais dividendos. Isso está atraindo os investidores estrangeiros de volta para o mercado japonês.”
O ‘Abenomics’ deu resultados. A maior rentabilidade dos acionistas contribuiu para Tóquio atrair US$ 42 bilhões em capital estrangeiro no ano passado – e o Japão se aproveitou, também, da debandada de investidores do mercado chinês.
Segundo o Wall Street Journal, o lucro esperado neste ano para as 225 empresas do Nikkei é da ordem de US$ 266 bilhões – o triplo de dez anos atrás.
Incentivos como o iene mais fraco e a política monetária relaxada também ajudam a manter os papéis em alta. Com a valorização recente, os múltiplos já estão em linha com o do valorizado mercado americano, que vem batendo recordes de alta.
Nos anos de pico da bolha, o preço/lucro projetado das ações japonesas chegou a se situar acima de 50x. Agora, segundo a Reuters, o indicador está em 20,4x – um número similar ao do S&P 500.
No Nikkei, atualmente metade do índice ponderado é composto por empresas de tecnologia, e o segundo maior segmento, segundo a Reuters, é o de bens de consumo. No passado, a Bolsa de Tóquio era puxada pelas utilities e pelos conglomerados industriais e financeiros.
Além da Fast Retailing, a dona da Uniqlo, puxam a retomada da bolsa japonesa empresas ligadas à produção de semicondutores como a Advantest e a Tokyo Electron.
O Japão voltou – mas está de cara nova.