A bruxa está solta na American Express Company.
A empresa acaba de perder, na Justiça, uma ação na qual o Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA alega que o contrato da Amex com os estabelecimentos comerciais inibe a concorrência e resulta em taxas mais caras para o consumidor. Nesta quinta, um juiz deu ganho de causa ao governo, mas a Amex disse que vai recorrer.
O contrato contém uma regra que proíbe os estabelecimentos que aceitam cartões Amex de direcionar clientes para outras bandeiras.
O Amex diz que a remoção da regra — que consta no contrato desde 1958 — teria um efeito “material e adverso” para a empresa.
No mínimo, a ação do DOJ é repleta de ironias.
Onde as autoridades enxergam um lobo mau querendo se impor com uma cláusula draconiana existe, na verdade, um chapeuzinho vermelho perdido na floresta negra da concorrência.
A Amex que está sendo acusada de prática anticompetitiva é hoje um anão quando comparado ao duopólio Visa-Mastercard. Enquanto a Visa processa 2,3 trilhões de dólares em transações de crédito e débito por ano, o Amex processa 630 bilhões de dólares. (A Mastercard, 1 trilhão.)
Ao depor no processo, no ano passado, o CEO da Amex, Kenneth Chenault, disse que “a onipresença do Visa e do Mastercard é avassaladora.” De acordo com o The Wall Street Journal, fontes da indústria estimam que entre 3 e 4 milhões de estabelecimentos comerciais nos EUA aceitam Visa e Mastercard, mas não Amex.
O veredito de hoje é a quarta notícia ruim a atingir a Amex este ano.
Na semana passada, a Costco — um clube de compras no atacado que é também o segundo maior varejista dos EUA, atrás apenas do Wal-Mart — dissolveu uma parceria de 16 anos pela qual a Costco só aceitava cartões de crédito Amex (apesar de aceitar cartões de débito de outras bandeiras). O fim da parceria vai afetar 10% da base de cartões da Amex e machucar os resultados da empresa nos próximos dois anos.
Um dia depois, veio a notícia — ainda não confirmada — de que a companhia aérea JetBlue também vai encerrar sua parceria com a Amex, que estava em vigor desde 2005.
E, no mês passado, a Amex anunciou a demissão de 4 mil funcionários — 6% do total — como parte de um esforço para controlar seus custos.
Nos EUA, onde a Amex tem metade de sua base de cartões, a empresa está sofrendo ataque, de um lado, da Discover Financial Services, um emissor pequeno mas que tem uma excelente reputação junto ao consumidor. De outro, o JP Morgan, que tem uma grande operação de cartões, tem tido algum sucesso em roubar os clientes mais endinheirados da Amex.
A maré de azar dos últimos dias evoca uma reflexão maior: qual é o futuro da American Express num mundo em que o custo é definido pela escala, e no qual a escala está na mão dos seus concorrentes?
Para abrir novas frentes de receita, a Amex agora está investindo em cartões pré-pagos (para clientes de menor renda) e está tentando ser aceita por pequenos comerciantes que sempre resistiram a suas taxas, mais altas que a concorrência. Além disso, no ano passado, a empresa fez parcerias com a Apple (para pagamentos no iPhone), o McDonald’s passou a aceitar pontos de fidelidade da Amex como pagamento de lanches, e o Uber passou a permitir que o usuário do cartão Amex pague pela corrida usando pontos do programa de fidelidade (ou ganhar duas vezes mais pontos pela corrida) no app do Uber.
Em vez de tentar se ‘mastercardizar’, talvez fizesse mais sentido para a Amex voltar às suas raízes e se aceitar como uma marca de nicho para um público exigente, um usuário que custa mais e que aceita pagar caro por isso. Mas como empresa listada na Bolsa — e comparada trimestralmente com seus concorrentes — a Amex é ‘obrigada’ a prometer (e entregar) crescimento, e não pode ousar pensar numa estratégia de nicho.
Ou, quem sabe, a Amex possa ser salva pela tecnologia. “Todo dia alguém tenta inventar algo novo em meios de pagamento para desbancar quem tem escala, e nesse sentido a Visa e a Mastercard tem muito mais a perder que a Amex,” diz Edson Santos, ex-CFO da Redecard e especialista da indústria de cartões que escreve regularmente sobre a indústria.
O fato é que a ação da Amex já cai 16% desde o começo do ano, e, considerando-se janelas de um, três e cinco anos, ela performou menos que as ações da Visa e da Mastercard.
Apesar do annus horribilis, a Amex tem mantido seu guidance junto aos investidores: um aumento do lucro por ação entre 12% e 15% no médio a longo prazo. Os próximos meses vão mostrar se a empresa precisa de um ‘reality check’ nestas estimativas.
Neste ambiente ultracompetitivo de hoje, talvez cortar custos apenas não resolva. No ano passado, como parte de seu depoimento no processo que perdeu hoje, Chenault, o CEO, havia dito, “Eu posso cortar um monte de despesas e a gente pode ficar bem na foto por um ano ou dois, mas depois disso nosso negócio acaba.”