NOVA YORK — Quase duas semanas após o ataque terrorista do Hamas a Israel, um professor israelense aqui na Columbia University fez um desabafo doloroso e veemente num vídeo que viralizou nas mídias sociais.

Shai Davidai, que se declara “pró-Palestina e pró-Israel”, reclamou do silêncio da presidente da universidade em face à onda de antisemitismo que toma conta dos campi em boa parte da Ivy League.

A fala de Shai – que ensina managerial negotiations no curso de administração – aconteceu durante uma pequena vigília feita por estudantes e professores judeus e israelenses. Formando um círculo, uma mulher falou sobre sua interação com as famílias dos civis sequestrados. Um estudante contou que teve os dedos quebrados na véspera ao ser atacado no campus por distribuir panfletos sobre os bebês sequestrados. Uma terceira pessoa expressou medo.

Foi aí que Shai decidiu falar.

O professor, que tem família em São Paulo, alertou os pais de alunos judeus que estudam nesta e outras universidades de prestígio dos Estados Unidos: “Seus filhos não estão seguros aqui.”

Aos 40 anos, Shai tem um pós-doutorado em Princeton, doutorado por Cornell, e formação em psicologia e ciência cognitiva pela Universidade Hebraica de Jerusalém.

Com 27 estudos publicados em revistas científicas, sua pesquisa examina os julgamentos que as pessoas fazem de si mesmas, de outras pessoas e da sociedade como um todo. “Estou interessado nas forças que moldam e distorcem as percepções subjetivas das pessoas sobre o mundo e sua influência nos julgamentos, preferências e escolhas,” diz seu website.

O professor falou com o Brazil Journal.

Como foram as duas semanas entre o 7 de outubro e o momento da sua fala no campus?

Foram as duas semanas mais longas da minha vida. Mas há dois momentos importantes neste período. No dia 11 de outubro, fui ao campus pela primeira vez desde o ataque terrorista para participar de uma mobilização organizada pelos estudantes judeus da universidade. Foi um evento extremamente triste. Os estudantes permaneciam em completo silêncio, segurando cartazes com as fotos dos bebês que até agora estão sequestrados sob a mira de armas em algum lugar de Gaza.

Alguns dos alunos se abraçavam, muitos choravam. Pouco depois, a menos de 20 metros de nós, houve um forte protesto de um grupo de organizações estudantis pró-terrorismo que celebravam os atos horríveis do Hamas (chamando-os de “um ato de resistência bem sucedido”). Eles gritavam refrões que clamavam pela erradicação do povo judeu da terra de Israel. Dizer que fiquei chocado seria um understatement extremo.

A segunda vez que fui ao campus foi no dia em que o vídeo foi gravado. Participei de uma pequena vigília antiterrorista organizada por alguns estudantes israelenses. Eu sabia que queria dizer alguma coisa, mas não tinha certeza o quê. Eu sabia que a dor que eu estava sentindo tinha que sair.

Depois que terminei de falar, virei-me para minha esposa e nos abraçamos em silêncio. Eu me senti vazio. Nós dois chorando. No entanto, quando vi como as pessoas reagiram – quantos estranhos vieram me abraçar, me agradecer e dar apoio – percebi que não estava expressando só a minha dor, mas a de todos. Eu sabia que mais pessoas poderiam se beneficiar ao ouvir as minhas palavras, mas nunca esperei que isso se tornasse tão viral quanto se tornou.

Como tem sido o feedback do público em geral?

Recebi milhares de mensagens de apoio de pessoas incríveis. Uma pessoa – um não-judeu – contou-me a história dos seus bisavós que ajudaram a esconder judeus durante o holocausto na Holanda. Outra pessoa – neta de sobreviventes de Auschwitz – me mandou um e-mail com palavras de encorajamento. Tem sido notável, realmente, e apenas me dá forças para continuar. Na verdade, a cada mensagem que recebo percebo que o que disse no vídeo não é exclusivo para mim, mas sim algo que afeta milhares e milhares de pessoas em todo o país e no mundo.

Algo mudou na universidade desde o dia em que o vídeo viralizou?

Eu gostaria de dizer que algo mudou, mas seria mentira. Não mudou nada. As organizações estudantis que apoiam e celebram as ações do Hamas ainda circulam livremente pelo campus. A universidade ainda não condenou os crimes contra a humanidade cometidos pelo Hamas no dia 7 de outubro – e, de fato, se recusa até a usar a palavra “Hamas” em qualquer email oficial. O antissemitismo no campus é extremamente ardente neste momento, e os estudantes judeus não se sentem seguros para frequentar suas aulas.

Mesmo que houvesse apenas um judeu no campus, a universidade deveria fazer tudo o que pudesse para protegê-lo.  Na verdade, mesmo que não houvesse judeus ou israelenses no campus, a universidade ainda tem a obrigação moral de se levantar contra o terrorismo, a violação, o rapto e o assassinato de bebês. É simples assim.

Por que você acha que a presidente está em silêncio?

Não há justificativa para que alguém deixe de dizer que a violação, o rapto e o assassinato de bebês são errados. E isso não é exclusivo da liderança da Columbia. Estamos vendo essa covardia entre os chamados “líderes” de muitas universidades nos EUA. Acredito que seja uma mistura de duas coisas: o medo de defender o que é certo e uma visão cultural arraigada de que as vidas judaicas e israelenses valem menos do que a vida dos não-judeus.

Digo isto porque sabemos exatamente o que teria acontecido se as vítimas não fossem judias. Sabemos exatamente o que teria acontecido se as organizações estudantis celebrassem os horrores do 11 de Setembro ou a terrível violência dos Supremacistas Brancos nos EUA. Quando se mistura medo e ódio latente, obtém-se silêncio.

O que o trouxe para Columbia?

Columbia sempre foi meu emprego dos sonhos. Minha esposa é ex-aluna da Columbia e dá aulas na universidade a cada dois anos. O primo dela está fazendo doutorado em Columbia. Seu avô foi professor titular de Estudos Judaicos em Columbia na década de 1970. É uma grande instituição com uma história notável, e lamento ver como essa história está agora manchada pela sua liderança falha.

Há muito debate em torno dos grandes doadores de origem judaica das universidades americanas neste momento. Qual sua visão sobre o assunto?

Não creio que este seja um problema apenas para os doadores judeus. É um problema para qualquer ser humano decente. Os doadores dão o seu dinheiro por vários motivos, mas o principal deles é o desejo de fazer algo de bom no mundo e retribuir. Se você fosse um doador rico, gostaria de doar seu dinheiro a uma instituição que carece de uma base moral?

Você tem medo de andar no campus?

Não me sinto confortável de ir ao campus no momento, e é por isso que não estive lá desde o dia do vídeo.

Sou humano, então já experimentei medo antes. Mas nunca experimentei esse tipo de medo. E para ser claro – estou menos preocupado com minha segurança pessoal. O medo que estou sentindo agora é o medo de um pai que sabe que não pode proteger seus filhos. É o medo de um pai que sabe que o mundo vê a vida dos seus filhos como menos valiosa do que a vida de outras crianças. Esse é o medo que estou sentindo agora e posso senti-lo nos meus ossos.