O maior e mais tradicional escritório de advocacia de São Paulo, o Pinheiro Neto está no centro das grandes transações do Brasil corporativo, frequentemente assessorando multinacionais que investem no País.

Mas nas conversas que tem tido com seus colegas lá de fora, o CEO do escritório, Fernando Meira, tem ouvido uma resposta incômoda quando pergunta como os clientes desses escritórios estão vendo o Brasil.

Fernando Meira

Ultimamente, a resposta tem sido unânime: “O Brasil não está mais no radar.”

Para o advogado, o Brasil tem um potencial enorme — mas continuará sendo “o país do futuro” se não houver um projeto nacional pactuado entre as elites política e empresarial. 

“O que o investidor quer é previsibilidade, estabilidade e segurança. O que o Brasil oferece é o oposto,” Meira disse ao Brazil Journal. “É zero segurança jurídica, com mudança nas regras o tempo todo.”

Meira disse que nossos problemas crônicos estão fazendo o Brasil desembarcar do trem da história. 

“Lá fora só se discute inteligência artificial e como ela vai impactar todo mundo. No Brasil, a gente fica discutindo Bolsonaro e Lula, resultado fiscal, tributação de blusinha,” disse o advogado, que começou a trabalhar no escritório há 35 anos. “Há uma sensação de fracasso do País. A gente não consegue dar seriedade para as discussões que precisam ser feitas.”

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Como você tem visto a demanda de clientes internacionais pelo Brasil?

O Brasil não está mais no radar do investidor estrangeiro. Não está recebendo dinheiro novo. 

A gente [o Pinheiro Neto] sempre foi um pulso: quando o Brasil vai bem e está bem posicionado, toda semana é um monte de checagem de conflito — de empresas, de investidores de diferentes geografias e segmentos – porque quando o Brasil vai bem ele atrai muito investimento da Europa, dos Estados Unidos, da Ásia… 

Mas nos últimos anos, o que temos visto é que o investidor estrangeiro que já está no Brasil continua olhando para o País, porque é uma visão de longo prazo, um mercado que tem fundamentos sólidos, com mais de 200 milhões de pessoas, liderança na produção de commodities agrícolas, minerais, e que tem um mercado mais sofisticado. 

Mas quem ainda não está simplesmente parou de olhar, mesmo com a Rússia cancelada, e a China mais cancelada ainda. 

E por que isso tem acontecido?

O Brasil tem um potencial enorme, mas continua só no potencial. Nos últimos anos, o País está diminuindo sua posição estratégica.

Eu converso lá fora com todos os escritórios e pergunto como eles têm sentido o interesse dos clientes deles pelo Brasil. A resposta tem sido sempre a mesma: ‘Francamente, o Brasil não está mais no radar. Outras geografias estão muito mais atrativas.’ 

E por que isso? Porque é difícil acompanhar o que acontece no Brasil. O que o investidor quer é previsibilidade, estabilidade e segurança. O que o Brasil oferece é o oposto! É zero segurança jurídica, com mudanças nas regras o tempo todo! 

A verdade é que muita gente que acreditou naquelas ondas de ‘agora o Brasil vai’ acabou se queimando. Quando você olha o histórico do Brasil, o que acontece? Quando começa a sinalizar que vai dar certo, as empresas acreditam e tomam dívida para aumentar seu negócio – e aí o Brasil dá aquele voo de galinha. A taxa de juros vai lá para cima, e a estrutura de capital das empresas entra em colapso. 

Aí vem reestruturação de dívida, venda de ativos… É o tempo inteiro isso! As empresas que estão melhor posicionadas hoje são aquelas que têm uma posição de liderança na sua respectiva indústria e que aprenderam a ser mais conservadoras. 

Muitos empresários têm reclamado da situação do Brasil hoje…

O ponto para mim não é nem reclamar. Porque hoje em dia tudo é tão raso e polarizado: ‘essa turma é isso, essa é aquilo.’ 

Para mim, é uma questão de visão de País. Qual é o projeto desse País? O projeto desse País tem que ser um capitalismo com responsabilidade social e enfrentamento das carências históricas. Tem que ter seriedade. Tem que ter combate à corrupção. Tem que ter responsabilidade fiscal. Não tem atalho. Não tem caminho fácil. A agenda que funciona é aquela que sabemos que é a correta.

Qual a agenda propositiva? O que o Brasil deveria estar fazendo neste momento?

Perseguindo o grau de investimento e tentando entrar numa OCDE, para ganhar respeitabilidade. E o que precisa para isso? De novo: estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica. E menos ruído! 

Os fundamentos do País são muito sólidos, mas se a gente não oferecer isso, o capital não vai vir para cá. 

Nosso escritório se defende neste cenário ruim, porque uma das nossas principais práticas é a reestruturação. Mas como brasileiro, essa é a minha visão. 

Por que não vamos na cartilha daquilo que sabemos que dá certo? Daquilo que deu certo em todos os outros lugares do mundo? É tijolinho em cima de tijolinho. É conseguir trabalhar nos consensos. Tem um monte de consensos, mas não conseguimos implementar nem os consensos! 

Você acha que o Brasil se desconectou das discussões globais?

Sem dúvida! O que está acontecendo lá fora? Todo mundo lá fora só fala de uma coisa: o mundo está à beira da maior transformação da civilização moderna, que é a inteligência artificial.  

Antes, o conhecimento era a base de diferenciação para você ter uma progressão de carreira e conseguir melhoria financeira e melhores oportunidades. Com a inteligência artificial, isso deixa de ser um diferencial, porque o conhecimento vai estar disponível para todo mundo. 

E a ferramenta de acesso a esse conhecimento não vai ser sofisticada. Porque as empresas estão investindo trilhões e sabem que aquele que oferecer a melhor experiência para o usuário, a mais fácil, a mais intuitiva, a mais eficaz vai vencer essa corrida.

Mas ninguém está entendendo qual vai ser o impacto disso no dia seguinte e em que momento vai ser este dia seguinte. Porque se você não tem que se educar para ter acesso ao conhecimento, e tudo é superficial, rapidinho, por que você vai estudar? Por que vai para uma boa faculdade se não sabe se vai conseguir emprego depois? Todos os profissionais estão sujeitos a esse mesmo risco. 

Isso é um mega desafio. A inteligência artificial vai ameaçar os empregos mais rentáveis, que geram renda, consumo e investimento. Se você não tem nada disso, você não tem arrecadação e os negócios vão reduzindo. E toda essa lógica de consumo e investimento deixa de fazer sentido. Tem um tsunami vindo, mas não sabemos a intensidade e velocidade. Vai ser altamente disruptivo e não sabemos como vamos enfrentar. 

Como os escritórios de advocacia estão reagindo a isso?

Eu tenho muito essa discussão com os escritórios americanos. Eles falam que estão acompanhando, que estão preocupados, angustiados, mas que não estão fazendo nada. Estão tocando a vida como se não houvesse mudança no futuro. Por quê? Porque ninguém quer ser o primeiro que vai tomar qualquer iniciativa e correr o risco de errar a intensidade ou a velocidade. 

Está todo mundo esperando de mãos dadas, vendo o tsunami vindo e se perguntando o que será que vai ser? Será que vamos nos defender ou não? Quando soubermos exatamente o tamanho dessa ruptura, aí todo mundo vai fazer a mesma cartilha: cortar gente, investir em tecnologia, tentar mudar o modelo de precificação para um modelo de custo fixo. Mas aí o cliente não vai deixar os escritórios aumentarem a margem em cima deles. Então esse movimento vai ser deflacionário. E vai impactar demais a economia.

E você acha que o Brasil não discute nada sobre isso?

Nada! Rosca! E lá fora só se discute isso. Ano passado a discussão era essa, e esse ano a discussão continua sendo essa. Já no Brasil a gente fica discutindo Bolsonaro e Lula, resultado fiscal, tributação de blusinha… Eu olho para isso e há uma sensação de fracasso de País. A gente não consegue dar seriedade para as discussões que precisam ser feitas. 

Temos gente que é muito capaz. Grandes líderes políticos e empresariais. Mas a gente não consegue ter um espírito associativo, de ‘vamos deixar as diferenças de lado e olhar os consensos.’ 

O País precisa atrair investimento? Precisa. O Estado tem condições de ser um catalisador do investimento, de usar orçamento para fazer investimento? Não tem. 95% do nosso orçamento é carimbado. Todo mundo pressiona: “ah, o Governo precisa reduzir gastos”. Mas o Governo só vai conseguir reduzir gastos se fizer as reformas administrativa e previdenciária. 

O povo está entendendo que isso é necessário? Que se fizermos isso e se formos responsáveis, rapidamente a gente recupera o grau de investimento, e aí o dinheiro que ia para a China e para a Rússia vai vir para o Brasil? 

A gente não tem projeto de País!

Na sua visão, o Governo está indo pelo caminho errado?

Você achar que vai reestruturar a situação fiscal do Brasil pela ponta da arrecadação é algo complicado. Como vai fazer isso? Vai tirar de onde? Aí depois vai começar a gastar dinheiro e forçar a baixar os juros? Isso só vai fazer o dinheiro sair do Brasil — e esse dinheiro que sai não volta mais. 

Deveríamos estar fazendo o oposto: pensando em como atrair capital, e não em como eu vou atrás do capital que já está aqui, achando que eu vou tributar e conseguir represar esse capital no Brasil. Não vai!

Eu fico frustrado, porque a minha geração não viu sequer um momento em que o País foi bem. O que vimos foram alguns hiatos de tempo em que você falava: ‘Agora o Brasil vai explorar o seu potencial.’ 

Mas olha o que aconteceu em Portugal e na Espanha quando eles fizeram as coisas que eram necessárias! Olha o salto que eles deram. E o Brasil é um País rico, que aguenta muito desaforo. Temos petróleo, reservas de água, produzimos alimentos, temos mineração. Temos um sistema financeiro comprovado. As pessoas são empreendedoras. 

O maior problema do Brasil hoje é falta de projeto?

Sim, mas tem outro, que é o crime organizado. Tem usina de açúcar e álcool comprada por fundos debaixo do PCC, que fornece álcool para postos bandeira branca, que pertencem ao PCC. 

A visão é sempre do atalho, de como vou dar a grande tacada, mesmo que não seja correta. O cara que faz a coisa direitinho é o bobo. O cara que tem a visão de que vamos fazer as coisas que já se provaram acertadas e se afastar das que já se provaram erradas, este também é visto como bobo. 

Como criamos um projeto de País com essa mentalidade?