Um detalhe no balanço da Equatorial, divulgado na sexta-feira à noite, traz uma ótima notícia para a Light, a encrencada distribuidora de energia fluminense.
No quarto trimestre, a Equatorial reconheceu um ganho extraordinário de R$ 171 milhões por conta de um processo tributário da Cemar, sua distribuidora no Maranhão, referente ao pedido de exclusão do ICMS da base para incidência de PIS e Cofins.
É pouco frente aos R$ 15 bilhões de valor de mercado da companhia.
Mas, se a Light obtiver a mesma vitória na Justiça, os ganhos da companhia controlada pela Cemig poderiam chegar à casa dos bilhões, pelo menos nas contas de uma grande gestora que montou posição na empresa usando essa tese.
A Light vale R$ 4 bilhões na Bolsa.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que o ICMS não constitui base para a incidência de PIS e Cofins — trazendo ganhos bilionários para diversas companhias que vinham contestando a cobrança há anos . A Vivo, por exemplo, ganhou R$ 8 bilhões em créditos tributários referente ao período retroativo em que pagou a bitributação.
Para as distribuidoras de energia, esta nunca foi uma grande questão por uma particularidade tributária: essas empresas são ‘neutras’ em imposto. A tarifa pela qual elas são remunerada não inclui impostos. As distribuidoras apenas arrecadam os impostos do consumidor (na conta de luz) e os repassam para a Fazenda responsável.
Apesar de, em tese, não se beneficiarem diretamente da redução do imposto, algumas distribuidoras questionaram a cobrança na Justiça por uma razão simples: se a cobrança indevida fosse ressarcida aos consumidores, as tarifas seriam reduzidas — diminuindo, por consequência, a inadimplência e as perdas na forma de ‘gatos’.
A Cemar questionou a cobrança em 2006. A lei afirma que ela tem o direito de exigir o ressarcimento até cinco anos antes da entrada do processo — em 2001, portanto. O processo só foi julgado no fim do ano passado, quando ela parou de recolher o imposto sobre a base de ICMS. Ao todo, foram reconhecidos 17 anos de bitributação.
No último balanço, a companhia reconheceu um ativo de R$ 756 milhões de créditos de PIS e Cofins a recuperar – mas um passivo de apenas R$ 580 milhões a ser repassados aos consumidores. (A diferença, R$ 176 milhões antes dos impostos, ficam com ela.)
A empresa alegou que o Código Civil — ao qual se submete o direito do consumidor – restringe o ressarcimento a 10 anos. Trocando em miúdos: o consumidor vai ser ressarcido pela última década, enquanto a Equatorial se apropriou dos sete anos restantes.
É aí que está o pulo do gato, que transformou uma tese aparentemente neutra em um ganho para a companhia.
“A Equatorial é uma empresa extremamente conservadora e com boa governança”, diz o analista que se debruçou sobre os números. “Eles não teriam contabilizado esse valor sem provisões se não estivessem muito seguros e tivessem pareceres jurídicos garantindo a tese.”
A Light entrou com um processo semelhante ao da Cemar no começo de 2008 — com ressarcimento retroativo a 2003. Ganhou em primeira instância, já ganhou vários recursos em segunda instância e está em vias de ver o processo transitar em julgado.
Acontece que a Light é bem maior que a Cemar, e o ICMS no Rio, muito mais alto que no Maranhão, o que implica que, em caso de vitória, os valores envolvidos serão bem maiores.
Nas contas da gestora, a distribuidora teria entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões a receber em créditos (grosso modo, a conta leva em consideração um percentual de 2% da receita bruta, que seria o PIS/Cofins indevido, corrigido pela Selic, conforme determinou o STF).
Se, assim como a Equatorial, ela só devolver 10 anos retroativos aos consumidores, poderia se apropriar dos cinco anos restantes, o que traria algo como R$ 3 bilhões para a companhia.
“Isso mudaria a história para a Light”, diz o analista. “Com essa causa, quem comprar a companhia tem quatro ou cinco anos gerando caixa para fazer o turnaround.”
A tese da Equatorial beneficia as distribuidoras que entraram com o processo há mais tempo — quanto mais velha a causa, maior o potencial benefício. Outra potencial beneficiada seria a Cemig, mas em menor grau que a Light. A estatal mineira também teria cerca de R$ 3 bilhões a receber, mas como tem um valor de mercado de R$ 21 bilhões, o efeito seria menos relevante. A maioria das distribuidoras não entrou com processo ou o fez apenas recentemente.
A Light não inclui a causa no seu balanço e nem no formulário de referência — mostrando que, ao menos por enquanto, não considera o ganho provável.
A tese da Equatorial pode virar a mesa.