Entre os anos 50 e 2000, Maria Cecília e Paulo Geyer reuniram em uma coleção o que havia de mais relevante sobre iconografia carioca. A coleção – um total de 3.000 livros de viagem sobre o Brasil e 1.500 pinturas – foi doada ao que um dia será a Casa Geyer, um museu federal no Rio de Janeiro que a burocracia ainda não conseguiu abrir.
Seguindo os passos dos avós, o casal Flávia e Frank Geyer Abubakir passou os últimos 30 anos formando um acervo de iconografia da Bahia do século XVII ao XIX – hoje a maior e mais importante coleção privada do País sobre o tema naquele período.
O livro da coleção acaba de ser publicado pela editora Capivara, com organização de Pedro Corrêa do Lago.
“É notável que um casal jovem, com 50 anos, tenha formado uma coleção tão completa e relevante,” Corrêa do Lago disse ao Brazil Journal.
No Brasil, colecionadores privados têm sido fundamentais para a preservação documental e artística da nossa história. São pessoas como José Mindlin, o bibliófilo paulista que formou a mais importante biblioteca sobre o Brasil, hoje conservada na USP, ou Emanuel Araújo, que construiu um corpo relevante de obras de artistas afro-brasileiros.
Comungando a mesma paixão pela Bahia e por arte, o casal Abubakir se dedicou à busca por óleos e aquarelas dos chamados “artistas viajantes”, gravuras, livros ilustrados e alguns dos primeiros mapas do Brasil.
“Essas obras refletem a evolução da Bahia, que, inicialmente, era a capital política e religiosa da colônia portuguesa e depois se tornou uma das principais províncias do Brasil,” o historiador Daniel Rebouças explica na introdução do livro. “As mudanças territoriais, como a incorporação da capitania de Ilhéus e a separação de Sergipe, são evidentes na iconografia apresentada.”
A riqueza artística do Brasil colônia teve seu ápice em dois momentos: com os holandeses e depois com a abertura dos portos por D.João VI. Entre os anos de 1650 e 1820, o Brasil ficou fechado aos estrangeiros, sendo explorado e visitado apenas por portugueses, e os documentos existentes naquele período eram os enviados à Coroa.
A coleção de Frank e Flávia conseguiu abranger essas duas etapas e ainda alguns dos poucos documentos do período fechado. O conjunto de pinturas a óleo é um dos grandes highlights do acervo.
As obras apresentam uma série de paisagens até pouco tempo inéditas, trazem cenas do cotidiano da época, e têm grande valor artístico e estético, disse Corrêa do Lago.
Frank Abubakir aprendeu com os avós sobre como fazer uma coleção. Diferente do trabalho de um mecenas, que dedica dinheiro, ou de uma compra compulsiva, o colecionador é um apaixonado e um grande tomador de risco. Começa sem saber o que encontrará e está à mercê das oportunidades, que precisam estar casadas com a disponibilidade financeira.
Um dos bons exemplos da persistência de Frank e Flávia foi a saga para comprar um mapa raro de Salvador. O casal negociou com um conhecido antiquário holandês por 22 anos para conseguir o preço adequado; o negócio foi fechado com o herdeiro do livreiro.
O colecionador que persiste consegue formar uma coleção que invariavelmente refletirá um mix de erros e acertos, obras extraordinárias com ótimos preços, e obras médias com preço alto.
Quando começou, aos 20 e poucos anos, Frank vivia de salário e comprava o que cabia no orçamento. Tentou focar em obras significativas e não em quantidade. Trinta anos atrás esse mercado de livros e obras históricas era mais movimentado. “Hoje, devo ser o único comprador de obras deste período,” Frank disse ao Brazil Journal.
Frank e Corrêa do Lago fazem parte de uma associação mundial exclusiva de bibliófilos – são apenas 120 pessoas de todo mundo com ingresso mediante aceitação colegiada. Há apenas cinco brasileiros integrantes do grupo.
Todo ano os associados se encontram em uma cidade do mundo e visitam antiquários, sebos e coleções particulares. Frank e Flávia levam as filhas nessas viagens para passar para a próxima geração o amor pelos livros e pela história.
Preservar a herança cultural é um desafio em todo mundo. Mesmo nações ricas estão com dificuldade para arcar sozinhas com os custos de formar e preservar acervos históricos de qualidade – em meio a uma falta de interesse da sociedade e orçamentos apertados.
O que será de uma civilização que não preserva seu passado?
Por tudo isso, Iconografia Baiana na Coleção Flávia e Frank Abubakir é uma conquista do Brasil que merece ser celebrada. É preciso aplaudir quem se arrisca e preserva um acervo que é um documento vivo da história do País.
Como escreveu o poeta William Blake em 1880: “As nações são destruídas ou florescem na proporção em que a sua poesia, pintura e música são destruídas ou florescem.”