Na terra arrasada do Rio Grande do Sul, velhas lealdades e um sentimento de gratidão estão se tornando ações concretas.
A família Ling — cujo patriarca começou a vida do zero e fez fortuna no Estado — se comprometeu a doar R$ 50 milhões para obras emergenciais de infraestrutura, ajudando comunidades a reconstruir pontes e estradas levadas pela correnteza impiedosa.
“Quando meu pai chegou no Rio Grande do Sul ele não conhecia ninguém, não falava português e tinha poucos recursos. Ele só conseguiu criar os negócios dele porque a comunidade gaúcha o acolheu,” disse William Ling, um dos quatro filhos de Sheun Ming Ling, que morreu em 2020.
Com a ajuda da Federasul – uma associação do comércio e da indústria – e do Instituto Cultural Floresta, os Ling acabam de lançar o Reconstrói RS, uma iniciativa para fazer os recursos chegarem, nas palavras de Ling, “o mais rápido possível, sem intermediações, para financiar obras urgentes, de alto impacto e de forma permanente” nas cidades atingidas.
O Reconstrói RS vai facilitar os recursos e agir como seed capital nas obras para recuperar a infraestrutura, mas quer que o protagonismo seja das comunidades.
“Já estão me alertando que para entrar na infraestrutura vamos precisar de licenças, disso e daquilo… Mas é o pessoal local que vai ter que resolver isso. Vamos garantir celeridade para eles terem os recursos, sem intermediários, da nossa conta para a deles,” Ling disse ao Brazil Journal.
“O protagonismo tem que ser das lideranças locais. O nosso propósito é mostrar que é possível fazer as coisas de forma ágil, descentralizada e não burocrática.”
Uma das obras que o Reconstrói RS está analisando apoiar é a reconstrução da ponte que ligava Lajeado a Arroio do Meio, e que deve demandar um investimento estimado em R$ 12 milhões. A maior parte desses recursos o município já tem – mas o Reconstrói RS entraria com o valor que falta para viabilizar a construção.
O Reconstrói RS pretende doar no máximo R$ 1 milhão para cada projeto – uma forma de pulverizar sua ajuda. Mas em alguns casos específicos, como o da ponte de Lajeado, a doação pode ser maior, disse Ling. (Neste momento, tudo que a comunidade tem é uma passarela flutuante que só se atravessa a pé.)
Para validar os projetos, Ling formou um comitê de engenheiros, urbanistas e empresários do setor de construção que vão analisar cada proposta antes de aprovar a doação.
“Nossa ideia é que este comitê receba os projetos e dê um retorno em no máximo um dia,” disse o empresário. “Como o tíquete de cada doação é baixo, estou disposto a correr o risco de não fazer uma análise tão profunda para garantir a agilidade.”
Num Estado devastado pelas enchentes — que deixaram 148 mortos e mais de 530 mil pessoas desabrigadas — e que está sofrendo com a falta de insumos básicos, investir na infraestrutura pode até parecer menos prioritário.
Mas “a cesta básica, o PIX, os colchões e cobertores estão chegando de todo o Brasil,” disse Ling. “O brasileiro é um povo muito solidário e eu sabia que essa ajuda básica viria. Agora, tem um day after que vai ser dramático, e acho que é nisso que vamos conseguir agregar mais valor.”
Para ele, reconstruir a infraestrutura básica das cidades “é o que vai permitir que o comércio das comunidades retome, e que elas possam voltar a ter uma vida mais normal.”
A doação substancial – a maior de que se tem conhecimento desde o início da tragédia – vem de uma família cujo progresso material aconteceu no Rio Grande do Sul.
O pai de Ling, Sheun Ming Ling, chegou ao Brasil em 1951 fugindo do regime comunista que tomara conta da China.
Foi entre os gaúchos que o velho Ling construiu, na pequena cidade de Santa Rosa, seu primeiro negócio: uma planta de esmagamento de oleaginosas, comprada com um longo financiamento do antigo proprietário.
A partir daquele negócio inicial, a segunda geração da família Ling – William, Wilson, Winston e Rosa – construiu um império.
A holding da família, a Évora, hoje tem três grandes negócios. O maior deles é a Fitesa, um dos grandes fabricantes globais de ‘não-tecidos’, o material usado na produção de fraldas descartáveis, lenços umedecidos e roupas hospitalares. A Fitesa tem mais de 80% de suas operações fora do Brasil, com fábricas nos Estados Unidos e no México, por exemplo.
O segundo negócio é a Crown Embalagens, que fabrica latas de alumínios no Brasil. A empresa é uma joint venture dos Ling com a Crown Holdings, a maior fabricante global dessas latinhas, usadas por fabricantes de cerveja e refrigerantes.
Os Ling também são donos da America, uma das maiores fabricantes de embalagens plásticas da América do Sul.
Da mesma forma que gentileza gera gentileza, o desejo de ajudar também contagia.
Além dos R$ 50 milhões prometidos pelos Ling, o Reconstrói RS já atraiu outros R$ 20 milhões de empresários como Salim Mattar, Jayme Garfinkel, Cristiano Franco, Paulo Sérgio Galvão Filho e a família Pratini de Moraes, além das Lojas Renner, do Banco Master e do BTG Pactual. O apoio de outras famílias, empresas e organizações é bem-vindo.