NOVA YORK — O que têm em comum a arquitetura gótica em “Cinderela”, as influências medievais em “A Bela Adormecida” e os objetos rococó de “A Bela e a Fera”?

Segundo uma mostra em cartaz no Met, o denominador comum é a paixão de Walt Disney pela Europa.

A influência europeia sobre o maior gênio criativo do século foi capturada pelo curador britânico Wolf Burchard, que concebeu e orquestrou a recém inaugurada Inspiring Walt Disney: The Animation of French Decorative Arts, em cartaz no Metropolitan Museum of Art até 6 de março.

Esta é a primeira exposição do Met dedicada a Disney, trazendo desenhos originais feitos a mão por ilustradores e coloristas de seu estúdio e vindos de quatro acervos, incluindo o da família e do Walt Disney Animation Research Library.

A mostra coloca lado a lado 150 obras originais e 60 peças de artes decorativas européias do século 18, incluindo vasos, pratos, gravuras, quadros e um sofá rococó vermelho e dourado, objetos humanizados em contos-de-fada e filmes da Disney. Há relógios, candelabros, bules e xícaras que remetem aos personagens Lumière, Cogsworth, Mrs. Potts e Chips de “A Bela e a Fera” (1991), o único desenho da mostra feito depois da morte de Disney.

“Sempre enxerguei o trabalho de Walt Disney por meio das lentes da arte, da mesma forma que olho para qualquer outra forma artística”, o curador Burchard disse ao Brazil Journal. “Estes filmes resultam de artistas trabalhando em conjunto.”

Em 1938, um ano após seu primeiro sucesso de bilheteria, “A Branca de Neve”, Walt Disney presenteou o Met com “The Vultures” (Os Abutres), um dos cerca de 500 mil desenhos produzidos para o filme. O presente, intermediado por um marchand importante, gerou controvérsias. Numa entrevista com Walt Disney, a revista do The New York Times perguntou: “É Disney, mas é arte?”

Para quem ainda duvida, Walt Disney chegou a ser o maior contratante de artistas nos EUA: em dado momento, 600 deles trabalhavam em seus estúdios, incluindo a italiana Bianca Majolie e americana Mary Blair, que quebraram barreiras de gênero como nomes de destaque por trás de “Cinderela” (1950).

Especializado em arte dos séculos 17 e 18, Burchard mudou-se para Nova York em 2019 para integrar o departamento de artes decorativas do Met, e acabou montando esta exposição em meio à pandemia. O museu chegou a fechar por cinco meses em 2020.

A exposição nada lembra uma Disney Store. Não há Mickey Mouse nem a logomarca  da empresa. As paredes são pintadas com cores sóbrias, há muitos textos nas paredes, e o museu toca as trilhas dos clássicos.

Walt Disney foi à França pela primeira vez em 1918, apenas três semanas após o fim da Primeira Guerra. Foi motorista da Cruz Vermelha em Versailles, Paris e Neufchâteau. Em 1923, voltou para os EUA de navio, certo em se tornar artista.

Começou pequeno, abrindo um estúdio com seu irmão, Roy. Em 1935, Disney retornou à Europa já com a carreira estabelecida. Visitou sete países e trouxe de volta 335 livros de ilustração na bagagem para servir como fonte de pesquisa.

Depois da Segunda Guerra, suas viagens ao Velho Continente tornaram-se frequentes – além de contratar artistas de diversos países, ele trazia mais referências visuais e criou uma coleção de mais de mil miniaturas de móveis europeus, alguns deles à mostra nesta exposição.

Além de revelar a influência germânica nos traços de “A Branca de Neve” (1937), outro destaque fica na galeria de “A Bela Adormecida” (1959): o ilustrador da Disney, Eyvind Earle, se encantou à época com a tapeçaria medieval “The Hunt of the Unicorn” (1495-1505), e se baseou nela para os cenários do filme (foto que ilustra este post).  Para esta mostra, no entanto, esta tapeçaria não pôde deixar o Cloisters (o museu medieval do Met), então o curador a substituiu com uma igualmente estonteante, intitulada “Shepherd and Shepherdess Making Music” (1500-1530).

O curador ressalta que, para cada segundo de animação, é preciso fazer 24 desenhos. Para deleite dos visitantes, ele exemplifica a técnica dedicando uma parede que revela a sequência dos 24 desenhos a lápis que transformam as vestimentas da gata borralheira no deslumbrante vestido de gala de Cinderela.

Burchard chama ainda atenção para uma dupla de vasos de porcelana Sèvres, feitos há mais de 250 anos e que serviram de inspiração para desenhos de castelos.

“Estas obras têm um apelo internacional, todo mundo vai se identificar com elas,” diz o curador.

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