O chef Luiz Filipe Souza teve que ir à França para descobrir o Brasil.

Ao participar do Bocuse d’Or, uma espécie de copa da gastronomia, o chef do restaurante italiano Evvai foi forçado a incorporar ingredientes nativos em seus pratos na competição.

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Foi uma ruptura para um chef que, até recentemente, se orgulhava de trabalhar exclusivamente com produtos importados de origem italiana. No máximo admitia um cumaru, a sementinha da Amazônia com sabor similar ao da baunilha.

O “preconceito” teve origem nos tempos que Luiz era assistente de Salvatore Loi no Fasano:  Loi se orgulhava dos produtos originais, e o pupilo passou a rezar pela mesma bíblia — proibindo até o coentro na sua cozinha.

Ao participar do concurso, Luiz viajou pelo Nordeste, conheceu produtores locais e se encantou com os produtos de origem nacionais. 

Foi uma conversão quase religiosa.
 
“Descobri que não tenho dívidas com a pátria italiana”, diz o chef, paulistano criado em Higienópolis e que mistura origens francesa, italiana e libanesa. “Os italianos são orgulhosos da cultura e de suas regiões. Mas é impossível ser purista aqui no Brasil, sem os ingredientes originais.” 

Quando Loi chegou ao Brasil, há quase 20 anos, a cozinha nacional era outro universo. “Não existiam queijos nacionais premiados. Hoje há um arsenal maior de ingredientes – e o brasileiro está mais aberto à cultura brasileira. Temos queijos fantásticos que brigam de igual para igual com um italiano.”

No Evvai, no prato “Não é carbonara”, o queijo Tulha substitui o gran padano e o prosciutto de pato é feito na casa. O premiado azeite Borriello, da Serra da Mantiqueira, tempera a entrada de bolo de rolo com geleia de tomate, folhas de manjericão, sorvete de mascarpone, maçã verde e gel de limão.
 
Uma mistura que ele define como “gastronomia oriundi” – tomando emprestado um termo usado por Gerardo Landulfo, o embaixador da gastronomia italiana no Brasil.

Luiz fez administração na ESPM e estava começando a carreira como estagiário no HSBC quando uma reviravolta familiar o levou a refletir sobre as próprias escolhas: seus pais se separaram, e seu pai descobriu um câncer. 

Morando com o pai na casa nova, passaram a se aventurar juntos na cozinha. “Tivemos que aprender a nos virar: arroz, ovo mexido…”

Com a morte prematura do pai, decidiu largar tudo para estudar gastronomia. A mãe topou ajudar a pagar o curso, desde que começasse a trabalhar. “Ela queria me colocar numa cozinha pra ver se eu desistia.” 

Saiu de terno e gravata distribuindo currículos no bairro: Ici, Carlota… Até que um conhecido indicou seu nome para o RH do Fasano. Com o mesmo terno e gravata, foi recebido por Loi, que lhe ofereceu uma vaga de estágio como stuart – o nível mais baixo na hierarquia da cozinha: o faz-tudo que lava pratos e tira o lixo. 

Passou por todas as etapas: limpou pia, preparou as saladas, até chegar ao fogão. Por oito anos, acompanhou Loi: do Fasano, foram para o Girarrosto e o Mozza, depois para o Loi Ristorantino e, por fim, o Salvatore Loi na Rua Joaquim Antunes, na mesma casa onde hoje funciona o Evvai.

Há cerca de dois anos, achou que era hora de sair da barra do avental do mestre. Deu um tempo em Nova York e voltou com planos de montar algo pequeno, “um chef’s table de 16 lugares”. 

Enquanto procurava um investidor para bancar o projeto, investidores estavam em busca de um chef. 

Dois meses depois da saída de Luiz, Loi abandonou o restaurante que levava seu nome em meio a desentendimentos com um grupo de sócios liderados por Guilherme Vilazante. A casa ainda não tinha um ano de vida. 

Luiz voltou assim para a casa da Joaquim Antunes para sua grande estreia autoral, mas ainda com poucas pretensões. O nome Evvai – saudação popular da região de Nápoles, no Sul da Itália – indicava um serviço tipo ‘casual dining’.

Era pura insegurança. “Acho que eu não queria almejar muito para não correr o risco de decepcionar. Por isso coloquei a régua mais embaixo.”
 
O Evvai serve pratos como o Ghiacciolo de fegato grasso (picolé de foie gras), inspirado no sorvete muito popular na Itália, e preparado na cozinha aberta da casa com nitrogênio líquido na hora do pedido, à vista dos cliente. Nele, uma bala de morango no palito é coberta por uma terrine do miúdo e finalizada por glaçagem da fruta. É servido com agrião, pinolis e um trio de especiarias brasileiras (puxuri, amburana e cumaru).

Aos 29 anos, Luiz foi eleito chef revelação da última edição do guia Comer & Beber, da Veja São Paulo, e seu menu degustação, onde o chef serve suas criações mais ousadas, é o carro-chefe da casa.