“Não tinha lugar melhor para brincar quando eu era criança do que o Museu Imperial,” lembra a escritora Ivna Chedier Maluly, 47 anos.
Nascida em Petrópolis, ela cresceu no centro da cidade, nas imediações do museu que foi o palácio de verão de Dom Pedro II.
Quando menina, Ivna frequentava os jardins do palácio. “Éramos seis dentro de um apartamento pequeno. Tínhamos de sair para respirar,” diz.
Ela se recorda do momento em que, aos sete anos, começou a se perguntar sobre seu lugar de brincadeiras. Quem havia construído aquela grande casa cor-de-rosa? E quem era o homem representado na estátua instalada no jardim?
Hoje vivendo com o marido e o filho em Lyon, na França, Ivna revisita o jardim de sua infância em seu quarto livro destinado ao público infantil, Memórias de Pedro, o Último Imperador do Brasil (Editora Rebuliço; 40 páginas).
Como o título sugere, é o próprio Dom Pedro II quem conta sua história. Mas ele não compõe seu relato na situação convencional de um memorialista – não está nem em seu gabinete no Rio de Janeiro, nem na escrivaninha do hotel onde viveu seus últimos dias em Paris.
O Dom Pedro II imaginado por Ivna revisa sua vida no palácio em Petrópolis. “Meus pés estão fincados neste jardim tropical. Não consigo movê-los, nem posso,” diz o imperador nas primeiras linhas do livro.
Esses pés imobilizados entregam a condição do personagem: quem fala ao leitor neste delicado livro é a estátua de Dom Pedro II em torno do qual a autora corria quando criança.
A voz da estátua carrega um sentimento que talvez não seja tão comum em livros infantis: a melancolia. Ivna, porém, acredita que não se deve subestimar os pequenos leitores, capazes de sentir e expressar todas as emoções.
Aparentemente imperturbável em seu pedestal, o último imperador do Brasil na verdade observa tudo ao seu redor, mas lamenta não poder andar pelos corredores de seu Palácio de Verão, nem observar o céu com sua luneta.
Os interesses científicos e culturais de Dom Pedro aparecem ao longo do livro. Mas suas frustrações pesam mais: ele ressente-se de ter passado pouco tempo na companhia da mãe – a imperatriz Leopoldina morreu quando ele tinha um ano de idade. Da trajetória política, ficou a frustração de não ter encontrado uma solução diplomática para evitar a Guerra do Paraguai e, sobretudo, o arrependimento por não ter abolido a escravidão. “Não consegui. Cedi à pressão do parlamento e acedi à desumanização,” admite a estátua.
Ainda que Memórias de Pedro aponte os graves erros de seu personagem, a admiração da autora pelo imperador taciturno transparece ao longo da história. “Dom Pedro II realmente amou o Brasil,” diz Ivna, que, vivendo na Europa desde 2003, encontrou um meio de se reconectar à cidade onde foi criada através da história do imperador-estátua.
A vida longe do Brasil também faz com que a escritora se identifique com Dom Pedro II, que morreu em Paris em 1891 – com a diferença, claro, de que Pedro foi forçado ao exílio depois da proclamação da República, enquanto Ivna optou pela Europa. Ela já viveu em Bruxelas, onde seu filho Elias nasceu, e hoje trabalha com educação midiática em centros sociais nas periferias pobres de Lyon, ensinando crianças e jovens como se busca informação segura na internet.
Ivna estreou na literatura infantil por uma caminho meio doloroso. Cadê seu Peito, Mamãe?, lançado pela editora Zit em 2010, trata do modo como uma criança tenta entender o câncer de seio de sua mãe. É baseado na experiência da autora, que teve um tumor de seio quando seu filho tinha cinco anos (hoje Elias tem 17).
Seguiram-se, pela mesma editora, duas obras dedicadas a crianças pequenas, Gabriel e a Fraldinha e Maria Luiza e a Banheirinha.
Belamente ilustrado por Aline Haluch, Memórias de Pedro equilibra com sensibilidade fantasia e informação histórica. O personagem tristonho da estátua no jardim imperial certamente ganhará o coração das crianças. Neste ano do bicentenário da Independência – cuja celebração talvez venha a ser desfigurada pela campanha eleitoral – esta é uma imaginativa porta de entrada para a história brasileira do século XIX.
Depois de uma noite de lançamento no próprio Museu Imperial, Ivna vai autografar o livro no Planetário da Gávea, no Rio de Janeiro, neste sábado, das 11h às 13h30. (O local foi escolhido para homenagear a paixão de Dom Pedro II pela astronomia.)