Com medo de ser responsabilizados na pessoa física pelo Ministério Público, a Advocacia Geral da União ou o Tribunal de Contas — para citar apenas os órgãos de controle mais ativos — funcionários que trabalham em várias partes da estrutura do Estado estão adiando decisões e optando pela paralisia como o caminho mais seguro.
Na Eletropaulo, a AES Corp., uma empresa do ramo que opera a companhia desde os anos 90, está na iminência de vender sua participação de 17%. O BNDES tem que decidir se vende junto, o que poderia maximizar o valor de sua participação dado o interesse de investidores estratégicos em botar o pé na companhia neste momento.
Na JBS, onde o BNDES é dono de 21% do capital, o acordo de acionistas com a família Batista faz com que, desde 2009, qualquer decisão estratégica da companhia tenha que ser aprovada pelo banco. Mas isso vai mudar em janeiro próximo, quando a expiração do acordo de acionistas vai depreciar o valor da participação do banco. Dado o clima atual, será que o BNDES consegue fazer um bom negócio até lá?
Por fim, na fusão entre Fibria e Suzano — a mãe de todas as transações do setor de celulose — o BNDES terá que decidir se dá seu beneplácito ou se, com medo de questionamentos, deixa o negócio descarrilar.
Nunca tanta riqueza dependeu de tantos tecnocratas com tanto medo de assinar qualquer papel.
A conversa sobre como chegamos até aqui começa com o o óbvio: a síndrome de proteção de CPF só existe porque o Estado ainda é — em plena era de Elon Musk e da inteligência artificial — o sol ao redor do qual gravita boa parte da economia brasileira. Estado menor, problemas menores.
Mais: o protagonismo do BNDES nas grandes empresas é o legado de um Brasil getulista, do Brasil governado pelos militares e — graças à nossa incapacidade inconfessa de romper com o passado — do Brasil governado por tucanos e petistas.
Do ponto de vista humano, há pouca novidade: o apego aos processos, uma dose razoável de morosidade e a aversão a risco são traços normais nas burocracias, ainda mais as latinas.
Mas, no Brasil, o ambiente pós-Lava Jato — em que todo mundo desconfia de todo mundo e o ônus da prova foi invertido na prática, senão na doutrina jurídica — agravou a angústria decisória entre os tecnocratas que, com seus carimbos, assinaturas e anuências, de fato governam o País.
No ano passado, esta angústia se tornou concreta quando funcionários de carreira do BNDES foram conduzidos coercitivamente para prestar esclarecimentos como parte da Operação Bullish, que investigava os aportes do banco na JBS.
Neste clima, é natural que o instinto de sobrevivência congele o gerente de área na hora de colocar o jamegão num parecer, relatório ou contrato.
Infelizmente, a segurança jurídica de um é o prejuizo do outro. Este ‘outro’ é, às vezes, o ente estatal para o qual o técnico trabalha; em outros casos, a economia como um todo.
A natureza transacional do capitalismo — em que o ‘timing’ é uma variável essencial para definir os retornos — significa que não tomar uma decisão pode ser tão prejudicial quanto tomar uma.
O Brasil precisa consertar o que está errado no sistema, encontrando um equilíbrio produtivo entre vigilância e discricionariedade, entre investigação e execração.
Até lá, cobertos com pareceres externos e ‘fairness opinions‘ de bancos, os tecnocratas precisam agir, ou correr o risco de outros processos — aqueles que vão acusá-los de gerar prejuízos por terem se omitido.