No mundo todo, várias empresas de mídia estão se tornando laboratórios para resolver um problema até agora incurável: como ganhar dinheiro com jornalismo num mundo onde a informação (qualidade à parte) é ofertada de graça, a receita publicitária da mídia impressa declina todo ano, e o bom e velho negócio de classificados é um morto insepulto.
No Brasil, o laboratório mais fervilhante para experimentos com o modelo de negócios tem sido a Zero Hora, o maior jornal do Rio Grande do Sul e o quinto do País, com circulação média diária de 200 mil exemplares, dos quais 155 mil vão para assinantes.
Este ano, a circulação digital da Zero Hora está em alta de 56%, o dobro do segundo jornal que mais cresce: O Globo, com 27%. (O diretor da área digital do Globo, Antonio Coelho, veio do jornal gaúcho.) Tanto na Zero Hora quanto no Globo, a circulação impressa cai 14% em comparação com o ano anterior, sugerindo que a migração de leitores do papel para a tela está ganhando velocidade.
O sucesso digital faz com que a Zero Hora — onde metade da receita vem de assinaturas e a outra, de publicidade — seja um dos poucos grandes jornais brasileiros que cresce sua circulação total, de acordo com dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), que consolida os assinantes do jornal impresso e do digital. (veja tabela ao final deste post)
Capitaneando sua metamorfose do DNA impresso para o digital, a Zero Hora conta com Andiara Petterle, uma executiva com 20 anos de experiência em negócios na internet, e colocada há um ano e meio no cargo de vice-presidente de jornais e mídias digitais do Grupo RBS. Sua primeira atitude foi fazer uma pesquisa profunda para entender os hábitos dos assinantes.
“Descobrimos que as pessoas não têm amor ao papel, e sim à forma como lêem o jornal,” diz ela. “Quando terminam de ler o jornal impresso, elas têm a sensação de terem lido tudo o que precisavam, e é isso que tentamos reproduzir em nossos formatos digitais.”
A pesquisa da Zero Hora identificou quatro perfis básicos de leitores: o tradicional (que não abre mão do papel), o ‘digital conservative’ (que está no papel mas topa migrar para plataformas digitais, desde que elas se pareçam com o papel), o ‘digital explorer’ (que aceita assinaturas digitais e gosta de apps) e, finalmente o ‘hippie’ (um leitor menos assíduo, com interesses específicos).
Hoje, impressão e logística respondem por 60% do custo do jornal que chega na sua casa. Para baixar esse custo e melhorar sua margem de lucro, o Zero Hora está investindo pesado num novo tipo de assinatura, o ZH Tablet — o assinante paga um pouco mais que a assinatura impressa, mas fica dono do tablet depois de 12 meses. “Nossa margem no tablet é melhor que a do papel, e o ‘payback’ vem em um ano e meio,” diz Petterle.
Quando foi lançado de forma experimental em dezembro de 2015, o jornal cobrava R$109 por mês pelo ZH Tablet, comparado com R$85 por uma assinatura impressa. Em agosto, o jornal reduziu o preço — de R$109 para R$79 — e passou a exigir uma fidelidade de dois anos. “Mesmo com o preço mais baixo, a conta ainda fecha,” diz Petterle. Além disso, o jornal está começando uma parceria para vender as assinaturas do tablet nas Lojas Colombo, a maior varejista gaúcha de eletroeletrônicos.
O dado mais promissor da inovação: 35% dos assinantes do ZH Tablet não eram assinantes do jornal impresso.
O ZH Tablet fez a Zero Hora ganhar o prêmio de “melhor estratégia de assinatura” da International News Media Association, e Petterle levou seu time num tour por jornais como The Washington Post, The New York Times e The Guardian para aprender sobre inovações e trocar experiências.
Ao comprar os tablets — um Samsung Galaxy Tab E, de 9.6 polegadas— a Zero Hora incorre uma despesa imediata, mas economiza os custos de impressão e logística. Estes custos são significativos porque, na média, um assinante da Zero Hora fica cerca de seis anos na base do jornal.
Além de inovar com o tablet, a Zero Hora também está tentando monetizar seu conteúdo junto a perfis diferentes de leitor. O jornal hoje oferece pelo menos 5 preços diferentes para acesso a seu conteúdo. Quem deseja uma assinatura apenas digital (acesso ao site) paga R$ 29,90 por mês; quem quiser insistir no papel paga R$99; a assinatura no tablet custa os R$79. Há ainda assinaturas combinadas: R$129 (tablet e jornal impresso no fim de semana) e R$149 (6 dias de jornal impresso mais o tablet).
O produto ‘killer’ — o que mais vende, e com a melhor margem — é a assinatura digital durante a semana com o jornal físico no fim de semana.
Em 2017, a Zero Hora vai ampliar sua oferta digital, dobrando a aposta na migração do papel para a internet. “Até agora, estávamos sendo reativos; a partir do ano que vem, vamos ser proativos, incentivando o leitor a migrar,” diz Petterle. Uma das novidades: o jornal vai oferecer a possibilidade de micropagamanetos, ou seja: o leitor poderá comprar um ‘day pass’ ou pagar por artigo que lê, sem ter que optar por um pacote de assinatura.
Não há, até o momento, uma fórmula mágica para a mídia impressa sair do pântano em que se meteu com o surgimento das redes sociais e o fenômeno da vulgarização da notícia.
Além da questão da plataforma em si, a internet detonou uma espécie de crise de identidade no jornalismo, na medida em que o leitor passou a ver como ‘jornalismo’ tanto as bobagens feitas para gerar cliques — como a cobertura de celebridades e as galerias de fotos que pouco acrescentam — quanto as investigações que duram meses e nos ajudam a entender o País.
Mas para que o jornalismo digno deste nome possa ser devidamente remunerado e o ‘news business’ se estabilize, o sucesso de experimentos como os da Zero Hora seria a melhor notícia.