Os acionistas da Valid decidiram hoje aumentar a ‘poison pill’ da companhia de 20% para 35%.

O percentual é o limiar a partir do qual um acionista é obrigado a fazer uma oferta por toda a companhia.

A gestora Alaska, que fez uma posição de 15% nos últimos dois anos, enquanto as ações estavam em queda livre, havia proposto a eliminação completa do ‘poison pill’, mas fundos estrangeiros, como o Aberdeen, se manifestaram contra a ideia.

A Teorema, gestora que tem Guilherme Affonso Ferreira entre os sócios, entrou com uma proposta intermediária, aumentando limite para 35%.

Poucas empresas tiveram que lidar tanto com a disrupção tecnológica – talvez o clichê do século – quanto a Valid.

Em seus 60 anos de história, desde quando era a antiga American Banknote, seu negócio principal já foi produzir talões de cheque e até cartões para uso em telefones públicos (millennials podem procurar isso no Google).

Hoje, a Valid está entre as maiores produtoras do mundo de cartões de crédito e débito e de cartões SIM, os chips que vão dentro dos celulares. Mas sua menina dos olhos, que garante mais de dois terços da rentabilidade da empresa, é a produção de documentos de identidade, como carteiras de habilitação, em contratos com os governos estaduais.

Agora, com sua ação ainda perto da mínima histórica, a Valid tenta responder à pergunta: qual será a próxima tecnologia que vai garantir a perenidade do seu modelo de negócio?

Hoje, a Valid está experimentando com inúmeras tecnologias, tentando descobrir o que funciona e o que terá escala.  

As iniciativas vão da biometria à Internet das Coisas, passando por soluções de rastreabilidade para diversas indústrias e blockchain. Todas estão dentro do que o CEO Carlos Affonso definiu como o ‘core’ da empresa: a identificação de pessoas, objetos e transações.

As iniciativas high tech ainda são uma parte minúscula do negócio – somadas, representam apenas cerca de 5% do faturamento – e os investidores parecem não querer pagar na frente para ver o resultado das apostas num mosaico extremamente complexo. Neste ano, a ação vem negociando a um múltiplo entre 9 e 11 vezes o lucro, versus uma média histórica mais próxima de 15x.

A ação da Valid negocia a cerca de R$ 18; na máxima, há três anos, bateu R$ 45.

“O negócio está ganhando uma complexidade muito grande, e a empresa tem um valor de mercado pequeno, de pouco mais de R$ 1 bilhão”, diz um analista. “Muitos fundos acabam nem se debruçando porque o trabalho de analisar não vale o tamanho da posição”.

Com o mundo saindo do offline para o online, a Valid já tem pelo menos uma direção: está deixando de ser uma fabricante de componentes para se tornar uma empresa de serviços.  

Nos últimos dois anos, a companhia fechou duas plantas industriais no Brasil e outras duas nos Estados Unidos. A empresa também se renovou: hoje, mais de metade dos funcionários têm menos de 32 anos e cinco anos de casa, e a bermuda foi liberada tanto no escritório na Avenida Paulista ou no galpão em São Bernardo do Campo, onde ficam os programadores.

Uma das iniciativas que já começou a render frutos é o segmento de rastreabilidade para a agricultura. Há dois meses, a Valid comprou a Agrotopus – uma startup que atende cooperativas de café que respondem por 12% da produção brasileira. A tecnologia será integrada a outras que vêm sendo desenvolvidas pela Valid para atender o produtor, do plantio à comercialização. A expectativa é quem, em cinco anos, o rastreamento agrícola seja 4% do faturamento total.

A produção poderá ser monitorada por drones, as sacas terão chips para rastreamento e um marketplace – cujas transações serão validadas por blockchain – vai permitir a venda direta para clientes, tirando parte do poder que hoje está nas mãos das holdings.

A companhia também já tem contrato em 11 Estados – a maioria no Nordeste – para monitorar garrafões de água, com um selo de autenticidade que garante a procedência do líquido e evita a evasão fiscal.  

Outra solução voltada para governos é o projeto de Smart City, que já está sendo implementado em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, e pode ser estendido para outros municípios. Além de fazer o cadastro completo e atualizado de todos os moradores do município para garantir uma melhor disponibilização de serviços públicos, a empresa fornece geotecnologias de monitoramento de espaço aéreo para monitorar os cadastros de todos os imóveis do municípios – outra forma de melhorar a arrecadação com IPTU.

A biometria é outra tecnologia considerada prioritária. A Valid quer dar tração à ValidBIO, seu braço que vem desenvolvendo ferramentas para reconhecimento facial – e cujo uso pode ser feito desde empresas do setor financeiro e telecom, onde a empresa já tem relacionamento antigo, até serviços médicos e ecommerce.

Entre 2016 e 2017, a Valid passou por uma tempestade perfeita, com a crise no Brasil e uma série de dificuldades para integrar seus negócios globais; cerca de 45% do faturamento vem do exterior.

Os negócios de cartões e chips para celulares entraram em queda livre – e preço virou o nome do jogo num serviço altamente comoditizado. O volume de emissão de documentos também despencou. A margem EBITDA saiu de 19% em 2015 para 15,6% no ano passado.

A companhia aproveitou o momento para enxugar as operações – e deve entregar um corte de custos na casa de R$ 80 milhões neste ano. Com a volta da economia, o efeito está sendo de mola comprimida. Nos nove primeiros meses do ano a receita cresceu 10%, o EBITDA 30% e o lucro dobrou frente ao mesmo período de 2017.

A dívida vem caindo e já há quem aposte que a empresa pode aumentar seu payout, hoje em 50%, nos próximos trimestres.

Mas, como todo negócio que depende muito do governo, dúvidas sobre o futuro da carteira de habilitação colocaram uma âncora no pescoço da empresa. Em agosto, começaram a circular notícias de que o governo federal pretendia implantar uma nova CNH com chip e versão digital, que precisaria ser renovada a cada dez anos e não mais em cinco. Nas contas de alguns analistas, isso poderia derrubar o EBITDA em 20%.

“O problema é que, por exigir mais tecnologia, essa nova carteira seria mais cara”, diz uma fonte próxima à companhia. “E os Estados não parecem dispostos a arcar com essa conta, e nem repassá-la para os cidadãos, especialmente na crise”. O risco parece afastado, pelo menos por ora. Na semana passada, o Radar da Veja noticiou que Michel Temer desistiu da ideia.