Pouco conhecida do consumidor final, a Unipar tem todos os seus dedos na torta da economia real.
Seu PVC é usado em tubos, conexões, pisos e esquadrias da construção civil, ou ainda para fazer máscaras, bolsas de sangue e catéteres que se provaram essenciais na pandemia.
O cloro produzido pela empresa trata a água de São Paulo e mais três estados. E sua soda cáustica — fabricada em Cubatão — tem 1001 aplicações: do shampoo ao sabonete, da indústria de alimentos (onde é usada para equilibrar o pH) à fabricação de alumínio e papel e celulose.
Depois de sofrer com a queda na demanda por PVC durante a pandemia, a companhia está vivendo uma verdadeira retomada em ‘V’.
No terceiro trimestre, reportado ontem à noite, o EBITDA mais do que dobrou em relação ao mesmo período do ano passado, e a utilização de capacidade instalada ricocheteou, ultrapassando os níveis pré-covid.
O CEO Mauricio Russomanno conversou com o Brazil Journal sobre o momento da empresa.
Os mercados de cloro e soda são relativamente resilientes, mas o de PVC sofreu muito com a pandemia. Agora, a demanda parece ter voltado com tudo. Qual é a sua leitura do que está acontecendo lá na ponta?
O segundo trimestre foi o mais crítico e estressante da pandemia. Mas a partir de junho a construção civil começou a voltar. Primeiro vieram as reformas formiguinha. As pessoas estavam dentro de casa e começaram a falar: ‘bom, não sei quanto tempo vai durar, estou com muita coisa me incomodando, já vi que dá pra ter pessoas em casa fazendo obra’… A primeira coisa que sentimos foi a retomada da reposição de materiais de construção na cadeia de varejo. Por que? Porque os pedreiros, encanadores, ou profissionais de obra voltaram a fazer essas pequenas reformas.
O segundo movimento foi a retomada de grandes obras. Em junho, julho, as construtoras viram que boa parte dos seus funcionários já tinha tido covid, que elas tinham os protocolos para as obras, e que em São Paulo e outros Estados nunca foi emitida uma lei que tinha que parar a construção civil. Então retomou a velocidade das obras, o que também ajudou.
Então em boa parte essa é uma história de retomada da construção civil?
Em grande parte… Para o nosso mercado, o grande ‘driver’ de volume, de valor, foi a construção civil — aliás, tanto no Brasil quanto na Argentina.
A indústria de moda e a automotiva, que usam o PVC para fazer couro sintético, ainda não voltaram. Cerca de 75% das nossas vendas de PVC são para a construção civil, o que está faltando voltar é esse restante.
Em vez de cortar a produção, vocês decidiram armazenar PVC durante meses sem vender. Isso pressionou o capital de giro e impactou muito o segundo tri. Essa estratégia deu certo?
Sim, deu certo. O que aconteceu é que tivemos um choque de demanda no segundo trimestre e, obviamente, um choque de oferta no terceiro trimestre. O pessoal que não tirou pedido no segundo tri, que ficou para trás nos cronogramas de obras, no terceiro tri precisou recuperar o tempo perdido. Então veio um terceiro trimestre muito robusto de pedidos… A demanda veio 30-40% acima do que era um ano atrás.
Além disso, estamos com um programa de melhoria de confiabilidade e desempenho nas fábricas desde o início do ano. Agora no terceiro trimestre, as nossas fábricas tiveram um desempenho operacional muito superior ao último ano e meio. Se tivéssemos essa demanda tão forte e concentrada há um ano atrás, nós não teríamos conseguido atendê-la. Isso fez com que a gente tivesse uma geração operacional de caixa muito forte. Geramos quase R$ 700 milhões de caixa só de operações.
Como está a utilização da capacidade das fábricas de Santo André e Bahía Blanca, que produzem PVC?
No segundo trimestre, a utilização de Bahía Blanca — misturando eletrólise, PVC, tudo — foi de 43%. Neste trimestre, foi de 78%. E se eu pegar Santo André, no meio do segundo trimestre foi de 59%. Neste trimestre, foi de 89%.
E o estoque que vocês tinham feito de PVC, que era equivalente a três meses de estoque, já vendeu tudo?
Já vendeu tudo. Tivemos recorde de produção em Bahía Blanca e em Santo André em julho. Na história da Unipar nunca produzimos tanto quanto em julho, e conseguimos atender todos os pedidos. E a mesma coisa aconteceu em agosto e setembro… não foram recordes, mas foram meses de produção muito bons.
No segundo trimestre, o preço do PVC derreteu. Como está agora essa dinâmica de preço? Já voltou?
Sim. O que aconteceu com o PVC é que o preço médio no mercado internacional caiu 30% do primeiro trimestre para o segundo trimestre. Agora, ele subiu no terceiro trimestre 41% em relação ao segundo tri, e já está no nível mais alto dos últimos dois anos devido à uma demanda mais forte e restrição de oferta no mercado internacional.
Com a soda aconteceu um movimento diferente. De janeiro do ano passado até o primeiro trimestre deste ano, o preço caiu muito. No meio da crise, ele subiu, e agora depois do terceiro trimestre caiu de novo. É um movimento diferente do PVC. A construção civil no mundo retomou, o preço do PVC subiu… já a soda, está sobrando soda no mundo e por isso os preços internacionais estão caindo.
Como ambos são ‘tradables,’ o preço é dado lá fora. Se você não consegue o preço aqui dentro, você exporta. É isso?
Se não conseguimos colocar o produto aqui dentro, temos que exportar. Mas o que acontece? Na soda cáustica não somos competitivos internacionalmente e acontece a mesma coisa com o PVC. Por quê? Porque o preço da energia elétrica no Brasil é 3x o da energia nos EUA, o preço do gás é 2x dos EUA, a logística é mais cara, etc… Então, às vezes exportamos com margem de contribuição zero, porque precisamos tirar o produto para manter a fábrica rodando.
Isso só na soda, ou com PVC também?
Com PVC a situação é ainda pior. Os americanos são muito mais competitivos ainda porque eles têm um custo do etileno bem menor. O etileno vem do shale gas… a hora que você pega o shale gas americano, produz energia e transforma em etileno, nós teríamos margem negativa se fôssemos exportar para os EUA.
Onde há oportunidades de crescimento inorgânico para a Unipar?
Nossa oportunidade é fazer aquisição de empresas no nosso setor, e tem algumas opções no Brasil, na América do Sul e algumas obviamente na América do Norte.
Vocês têm alguma preferência geográfica?
A preferência é América do Sul, América do Norte e Mediterâneo (Península Ibérica, Itália e norte da África). Não buscamos neste momento norte da Europa… Somos uma empresa nova em internacionalização. Nossa primeira experiência foi com a Argentina. Se começamos uma expansão indo para a Alemanha ou países Nórdicos, haveria maior risco porque a cultura é muito diferente e não estamos ambientados, seja por idioma ou estilo de trabalho. Então vamos buscar primeiro expandir em regiões mais parecidas culturalmente. América do Norte é um pouco diferente, mas a cultura é mais aberta.
Vocês estão com caixa líquido, então dá para pensar em coisa grande. Tem ativos grandes no mercado?
Queremos crescer de forma orgânica e inorgânica. Orgânica significa expansões de capacidade e projetos greenfield.
Já as aquisições são duas vertentes: fábricas ou empresas do nosso setor, de cloro/soda ou PVC; ou aquisições de empresas na indústria química que sejam produtoras de insumos.
Também queremos ganhar competitividade, porque na soda/cloro Brasil e Argentina, não somos competitivos por causa dos custos dos insumos, seja de energia, etileno, gás, etc, comparado com EUA e Ásia. Então temos uma urgência muito grande em melhorar a competitividade de custos variáveis e de insumos, porque se decidirem remover as alíquotas de importação ou antidumping, vamos realmente estar expostos ao mercado internacional, e não somos competitivos. Somos competitivos em custos fixos, pessoas, produtividade, mas não em insumo. Então, estamos atacando essa área muito forte.
Fizemos, por exemplo, a joint venture com AES Tietê. E os objetivos são três: primeiro, acesso a energia, porque ela é 50% do meu custo variável da eletrólise. O segundo: sustentabilidade, energia de uma fonte renovável. E o terceiro ponto é que, ao sermos autoprodutores, isso gera uma redução de custos. Do mesmo jeito que fizemos uma verticalização para energia estamos olhando todos os principais insumos para fazer a mesma coisa.
Só neste ano, a companhia já recomprou quase 5% de seu capital na Bolsa, o que mostra que vocês consideram a ação barata. Qual o racional da recompra?
É uma questão de alocação de capital. Eu sou uma geradora de caixa contínuo. A questão é: enquanto não tinha outra forma melhor de alocar o capital, investimos em nós mesmos. Esse programa de recompra na verdade é um programa recorrente. Recompramos já há dois anos e acabamos de renovar hoje no conselho mais um programa de recompra para o próximo ano. Enquanto não temos uma aquisição ou investimento claro vamos continuar recomprando ações porque achamos que esse é um ótimo investimento para a empresa e para os nossos acionistas.
Você fez carreira em multinacionais como a GE, a BASF e depois na Votorantim, que tem controle familiar. A Unipar tem o Frank Geyer Abubakir como controlador. Como é o processo decisório na Unipar comparado com as outras?
Obviamente é muito diferente. Numa multinacional de capital aberto gigante, você trata com o conselho de uma maneira absolutamente formal, com decisões colegiadas. Depois na Votorantim, já era um processo mais próximo da família, com decisões mais ágeis, o que eu via como uma grande vantagem. E na Unipar é mais um passo adiante nessa questão de velocidade, de agilidade.
O Frank é uma pessoa muito presente nas discussões estratégicas, então os pontos são levados para ele, discutidos e as decisões são rapidamente tomadas, principalmente em relação à alocação de capital, dividendos, projetos. E o Frank tem uma diferença, porque ele não entra na gestão, no dia a dia. Ele não participa e dá uma liberdade muito grande para mim, que é fantástica. Mas falamos quase todo dia sobre as estratégias da companhia, sustentabilidade, ESG…
A Unipar já foi sócia da antiga PQU, o que lhe dava acesso direto ao etileno, a matéria prima necessária para o PVC. Hoje vocês compram o etileno da Dow na Argentina e da Braskem no Brasil. Há algum plano para se tornarem independentes?
Estamos avaliando tudo, está tudo na mesa. Vamos ver se as oportunidades e condições se criam para a gente conseguir fazer. Não estamos deixando passar nenhuma alternativa devido à nossa posição de caixa, liquidez, etc. Mas precisa ter as condições corretas.
Vocês pretendem fazer mais projetos como a joint venture com a AES Tietê?
Sim, vamos fazer mais. E estamos olhando eólico e solar. Quando pronta, a nossa JV com a Tietê vai suprir uns 30% da necessidade de energia da fábrica de Cubatão, que representa uns 70% do nosso consumo de energia no Brasil. Ainda temos bastante para avançar nessa parte de energia.
A ideia de vocês é que chegue um momento em que 100% da energia de vocês seja autoprodução?
Não sei se 100%, mas entre 60% e 70% acho que é um bom objetivo, porque uma parte queremos continuar no mercado livre.
Vocês estão casados com a AES Tietê ou podem fazer com outros?
Não, podemos fazer com outros. E neste momento estamos num bid discutindo um projeto.
ARQUIVO BJ