Em sua sentença condenando Eduardo Cunha hoje, o Juiz Sergio Moro diz o que os autos o levam a concluir sobre o condenado.

“Nem mesmo a prisão preventiva de Eduardo Cosentino da Cunha o impediu de prosseguir com o mesmo modus operandi … de extorsão, ameaça e intimidações,” escreveu o magistrado. “Sequer se sentiu tolhido de utilizar, para tanto, o processo judicial, como fazia anteriormente … no processo legislativo, com requerimentos parlamentares de mão própria ou de terceiros e que veiculavam simuladas extorsões ou ameaças.”

“Afinal, essa é interpretação cabível em relação à parte dos quesitos que ele apresentou nesta ação penal para serem dirigidos ao Exmo. Sr. Presidente da República.”

“A pretexto de instruir a ação penal, Eduardo Cosentino da Cunha apresentou vários quesitos dirigidos ao Exmo. Sr. Presidente da República que nada diziam respeito ao caso concreto. Destaco em especial os seguintes e que não têm a mínima relação com o objeto da ação penal:

‘Qual a relação de Vossa Excelência com o Sr. José Yunes?’

‘O Sr. José Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de Vossa Excelência ou do PMDB?’

‘Caso Vossa Excelência tenha recebido, as contribuições foram realizadas de forma oficial ou não declarada?’

Moro escreve que “tais quesitos, absolutamente estranhos ao objeto da ação penal, tinham por motivo óbvio constranger o Exmo. Sr. Presidente da República e provavelmente buscavam com isso provocar alguma espécie de intervenção indevida da parte dele em favor do preso, o que não ocorreu.”

“Isso sem olvidar outros quesitos de caráter intimidatório menos evidente,” completou.

E mais adiante:  “Para evitar qualquer mal-entendido, não há qualquer registro de que o Exmo. Sr. Presidente da República tenha cedido a essa tentativa de intimidação.”

Igualmente [grifo dele] não pode o Judiciário ceder a qualquer tentativa de chantagem.”

 

No final das 89 páginas, Moro dividiu o crédito pelo sucesso da Lava Jato e fez considerações sobre a nova lei de abuso de autoridade.

Eis o trecho:

Sergio Moro

528. Uma última consideração nessa sentença.

529. A apuração e a definição das responsabilidades de Eduardo Cosentino da Cunha, ex-Presidente da Câmara dos Deputados, só foi possível devido a coragem institucional da Procuradoria Geral da República e do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

530. Especial destaque merece a decisão de 04/05/2016 de afastamento cautelar do então Deputado Federal Eduardo Cosentino da Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados. Não só representou o afastamento de pessoa envolvida em sérias condutas criminais da Presidência da Câmara, com toda a gravidade desta circunstância, mas igualmente possibilitou o andamento normal do processo de cassação de seu mandato parlamentar.

531. Necessário reconhecer também o mérito posterior da própria Câmara dos Deputados que, sucessivamente, cassou o mandado parlamentar de Eduardo Cosentino da Cunha.

533. Apesar do mérito institucional e coletivo da Procuradoria Geral da República, do Egrégio Supremo Tribunal Federal e, posteriormente, da própria Câmara dos Deputados, necessário destacar o trabalho individual do eminente e saudoso Ministro Teori Zavascki, relator da aludida ação cautelar. Por essa decisão e por outras, o legado de independência e de seriedade do Ministro Teori Zavascki não será esquecido.

534. A presente sentença e a prisão consequente de Eduardo Cosentino da Cunha constituem apenas mais uma etapa de um trabalho que foi iniciado e conduzido pelo eminente Ministro Teori Zavascki.

535. Não há melhor momento para recordar o legado de independência do Ministro Teori Zavaski do que agora, quando discute-se a aprovação de nova lei de abuso de autoridade que, sem as salvaguardas necessárias, terá o efeito prático de criminalizar a interpretação da lei e com isso colocará em risco a independência judicial, subordinando-a ao interesse dos poderosos. Espera-se e confia-se que o Congresso saberá proceder com sabedoria para a adoção de salvaguardas explícitas e inequívocas.

536. Transitada em julgado, lancem o nome do condenado no rol dos culpados. Procedam-se às anotações e comunicações de praxe (inclusive ao TRE, para os fins do artigo 15, III, da Constituição Federal).

Curitiba, 30 de março de 2017.