Nem a ‘casa de todas as casas’ aguentou. 

A Love Story – reduto de reputação questionável da noite paulistana, porto seguro da boemia e túmulo de muita fossa – entrou ontem com pedido de recuperação judicial

Afundada em dívidas trabalhistas após reduzir sua folha de pagamentos de 70 para 40 funcionários, a empresa está devendo também para fornecedores, bancos e não paga nem mesmo o aluguel. 

Fincada desde 1991 num prédio em frente ao Copan, a Love Story sempre foi conhecida como o “lugar onde as garotas de programa se divertem”. É lá, no centro de São Paulo, que elas relaxam depois de uma noite árdua de trabalho – e também para onde vão os rapazes na esperança de usufruir, na faixa, dos seus serviços.

Sempre aberto até quase o final da manhã do dia seguinte, o casarão é o destino daqueles que querem seguir na balada mesmo quando o relógio já marca 4h ou 5h. 

A casa tem história pra contar.  Mike Tyson certa vez saiu dali direto para a delegacia, acusado de ter agredido um cinegrafista em outro inferninho mais ‘high society’, o Bahamas.

Há uns três anos, houve uma tentativa de “gourmetização” da casa que, ao longo de quase 30 anos, já rendeu três infartos ao fundador João Tiago de Freitas, o Tio João.

Sob o comando do restaurateur Milton Freitas, filho de Tio João, foram promovidas diversas festas, como as famosas “Galinhadas” com o chef Alex Atala. 

Durou pouco. 

Para alegria dos antigos frequentadores, a estratégia foi abandonada e, diz Milton, o “inferninho voltou a ser o inferninho de sempre”.  Mas a crise de identidade (ou a recessão do País) custou caro. Sempre lotada nos anos áureos, a Love Story hoje não coloca nem metade da capacidade total de 500 clientes por noite.

Trabalhar no inferninho tem um preço. Um funcionário foi à Justiça reclamar que a música alta o deixou surdo. E, num episódio fatídico em 2012, um segurança tomou um tiro na porta da casa – e os familiares processam por uma indenização.

A dívida total é de R$ 1,7 milhão, sendo R$ 1,38 milhão com processos trabalhistas. Na petição, a empresa alega que vem pagando todos os acordos trabalhistas em dia. Na lista de credores, estão ainda o Santander e o ECAD, o órgão que cobra os direitos autorais de músicas.

Na petição inicial, entregue na segunda-feira na 2ª Vara de Recuperação Judicial, os advogados Marcelo Hajaj Merlino e Irene Hajaj atribuem os problemas à crise financeira, que afetou fortemente o “entretenimento adulto”.

O documento – no qual o estabelecimento se descreve como uma “mistura dos clubes de Ibiza e Amsterdã” – elenca também uma razão microeconômica para a débâcle: os millennials já não festejam como antigamente. Em outras palavras: a diversão raiz está virando nutella.

“A população jovem tem procurado outros meios de diversão noturna, como por exemplo os grandes eventos chamados de mega festivais como o ‘Lollapalooza’, ‘Glastonburry’, e ‘Coachella’”, defendem os advogados, alegando que a concorrência é, inclusive, internacional. Outras fontes de competição, apresentadas ao juiz: ‘pool parties’, ‘food trucks’ e baladas sertanejas como o ‘Villa Mix’.

Entre a crise econômica e o shift demográfico, a Love Story viu seu faturamento minguar de R$ 4,4 milhões em 2015 para R$ 2,9 milhões no ano passado, uma queda de 32%. No mesmo período, saiu de um lucro de R$ 271 mil para um prejuízo de R$ 724 mil.

Este ano, o movimento parece um pouco melhor: de janeiro a julho, a casa faturou R$ 1,9 milhão mas, soterrada por empréstimos e indenizações trabalhistas, o prejuízo já é de R$ 324 mil. Os passivos já superam os ativos em R$ 78 mil – ou seja, mesmo se fosse liquidada, faltaria dinheiro para pagar todo mundo. 

A casa segue aberta. A RJ é uma tentativa de ganhar fôlego para promover uma reestruturação e seguir “prestando serviços”.  Ninguém se engane: a Love Story está ciente de seu papel de infundir prazer numa sociedade cada vez mais frustrada.

“Há anos a devedora contribui com toda a coletividade,” diz a petição. “Chegou o momento de a coletividade dar-lhe força, principalmente se continuará a ser a beneficiária.”