Em busca de uma saída para prejuízos sucessivos e uma dívida monstruosa, a Editora Abril parece ter ouvido o conselho de Jeff Bezos, que – além de criar a Amazon – conseguiu fazer o jornalismo dar lucro na era da Internet.
 
Sem alarde, nos últimos dois meses, a maior editora de revistas do Brasil cortou o almoço grátis e passou a exigir que os leitores paguem pelo conteúdo disponível nos sites de quatro de suas principais publicações.
 
A iniciativa começou na Quatro Rodas e na Superinteressante entre o fim de maio e começo de junho, e passou a ser adotada nas últimas semanas por Exame e VEJA.com – as duas joias da casa, que somam 16,1 milhões e 17,7 milhões de visitantes únicos por mês, respectivamente.
 
Agora, ‘na faixa’, só mesmo o aperitivo: os leitores têm direito a 15 matérias gratuitas por mês – número que deve ser, em breve, reduzido para 10. Para acessar mais conteúdo, precisam pagar uma assinatura: que varia de R$ 10,90 (Superinteressante), VEJA (R$ 19,90) a R$ 29,90 na Exame, com preços promocionais para os três primeiros meses.
 
“Não só a Abril como todo o mercado trabalhava com uma premissa: ‘vou ter muita audiência para, então, vender publicidade’. O modelo era esse. Só que esse modelo não vem se mostrando suficiente para nenhuma operação”, afirma Isabel Amorim, diretora de relacionamento de mercado da Abril.
 
Roberto Civita“Agora, vamos fazer jornalismo para vender jornalismo e vender publicidade. Tem valor nas duas coisas. O leitor tem que entender. No fundo, ele sempre deu valor a isso. Só que ele ia na banca e comprava”.
 
Isabel chegou na Abril, há um ano, com uma missão hercúlea: diversificar as fontes de receita. No ano passado, o faturamento líquido caiu 20% para R$ 1 bilhão, e o prejuízo das operações continuadas – que exclui o dinheiro com venda de ativos – subiu 78% para R$ 340 milhões.
 
Nos últimos anos, a editora agoniza com a derrocada do modelo tradicional de negócio, baseado nas assinaturas impressas e na venda de publicidade. Só em 2014, nove títulos foram transferidos para a Editora Caras. Desde então, outros tantos foram descontinuados – e hoje a Abril inteira não ocupa nem metade dos 24 andares do icônico edifício da Marginal Pinheiros, símbolo das épocas de glória.
 
Com dificuldades para fechar as contas, a empresa vem dependendo de aportes dos acionistas. Ao fim de 2016, os empréstimos com vencimento em um ano somavam R$ 360 milhões, contra apenas R$ 150 milhões em caixa.
 
Isabel conhece frente e verso dos modelos de negócio de mídia digitais. Antes de chegar a Abril estava no espanhol El País, onde participou da implantação da operação brasileira, que até hoje disponibiliza todo o conteúdo de graça – à sua revelia. “Eu acho um absurdo. Fazem jornalismo de altíssima qualidade, não conseguem monetizar com publicidade e vira um saco sem fundo”, afirma.
 
Antes disso, tinha feito longa carreira no The New York Times, onde atuou por 10 anos e chegou a diretora de parceria e negócios para a América Latina. Acompanhou de perto a implantação do paywall que hoje é considerado benchmark no setor, com quase 2 milhões de assinantes online, um número que cresce a taxas expressivas ano a ano.
 
De lá, trouxe uma certeza: há poucos argumentos contra a cobrança. “No começo tem um choque, porque os veículos imaginam que a audiência vai cair drasticamente. Isso é lenda”.
 
Ela desconstrói o mito com números: a experiência mostra que, entre diversas publicações que adotaram modelo semelhante – o ‘soft paywall, com algumas matérias de graça por mês — cerca de 70% dos leitores não chegam ao limite de acessos previstos por mês. 
 
Outros 20% batem os 10 ou 15 acessos do meio para o fim do mês e dificilmente pagarão, mas continuam a acessar o site até o limite previsto. O que faz diferença mesmo são os 10% ou 5% que consomem muito conteúdo.
 
“Se tudo der errado e esses 5% não quiserem pagar, o mundo não acaba em termos de audiência. Temos muito pouco a perder, talvez alguns reais em anúncios de mídia programática [o sistema de leilões eletrônicos por espaço feito por Google e Facebook para audiências específicas]. Por outro lado, a parte positiva é entrar numa curva de crescimento de assinatura digital.”

A conversão da Abril ao modelo pago é uma resposta tardia à busca de Roberto Civita por um modelo de negócios que transformasse a Abril de potência do mundo impresso no equivalente da era digital — preocupação que atormentava o publisher do grupo nos anos que antecederam sua morte em 2013.
 
Isabel ainda não abre os números de assinantes nos sites da Abril, mas diz que o resultado do ‘soft launch’ das primeiras semanas é positivo. “Sem fazer nenhuma campanha, todos os dias temos novas assinaturas. E a audiência dos sites não caiu, em alguns casos até aumentou”, afirma, ressalvando que não é possível saber se este aumento seria maior sem a cobrança, já que o conteúdo online é muito suscetível à temperatura do noticiário – que, no Brasil, vem pegando fogo.
 
Além do paywall, o almoço grátis na Abril também acabou – literalmente – nas conferências e palestras promovidas por suas revistas. Antes financiadas por patrocínios, elas agora serão cobrados dos participantes.  Outras iniciativas de diversificação de receita incluem a aposta em ‘branded content’ – conteúdos editoriais patrocinados – e assinaturas de produtos, todos com a ‘curadoria’ dos veículos. 
 
“Entendemos que tudo isso é entrega editorial. E se é uma entrega editorial, precisa ser cobrado,” diz Isabel. “Não tenho dúvida de que, quando se fala em conteúdo de qualidade, a era do gratuito chegou ao fim.”

 

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