Essa é a história de (outra) empreiteira que acabou fazendo um mau negócio.
A CR Almeida já foi uma das maiores empreiteiras do País. Hoje, seu maior ativo é a Ecorodovias, uma empresa que opera estradas de pedágio como a Anchieta Imigrantes e a Carvalho Pinto, além de ter ganho recentemente a licitação para operar a Ponte Rio-Niterói.
Em fins de 2012, a CR Almeida decidiu aumentar sua participação na Ecorodovias.
Para comprar mais 19% da empresa (que estavam nas mãos de um sócio italiano), a empreiteira tomou uma dívida de 2,1 bilhões de reais por meio de uma debênture emitida pela Primav, o veículo que ela usa para controlar a Ecorodovias. O Bradesco foi o coordenador-líder da operação, e tudo indica que o crédito ainda esteja na carteira do banco.
Na época, a CR Almeida pagou 19 reais por ação da Ecorodovias (cerca de 16,40 reais, se o preço for ajustado pelos dividendos pagos desde então). Dois anos e meio depois, a ação negocia a 8 reais.
Pelo contrato da debênture, a Primav se comprometeu a dar como garantia ações da Ecorodovias que representassem, no mínimo, 120% do valor do empréstimo.
Na medida em que a ação foi caindo, os bancos, como é natural, foram exigindo mais ações. A coisa chegou a tal ponto que, no início deste ano, 96% das ações que a Primav tem na Ecorodovias já estavam dadas em garantia aos debenturistas, de acordo com uma nota do auditor da empresa.
Qualquer queda substancial da ação a partir de agora forçará os bancos a chamar margem — desta vez em dinheiro — da Primav. A debênture vence em 2020, mas o principal começará a ser pago no final deste ano (10% do total são devidos em dezembro).
Além desta dívida, a Primav tem outra debênture, de apenas 150 milhões de reais, que vencerá no final de julho. Providencialmente, a Ecorodovias decidiu pagar, em maio, um dividendo de 235 milhões de reais. Como a Primav tem 64% da empresa, ela vai receber 150 milhões de reais — exatamente o montante que precisa para honrar a dívida vencendo em julho.
Mas, daqui para frente, a capacidade da Ecorodovias de distribuir dividendos se esgotou, diminuindo as alternativas para a Primav.
“A Ecorodovias não tem mais lucro acumulado para distribuir como dividendo,” diz um analista que acompanha a empresa. “No ano passado a empresa reverteu todas as reservas de lucros desde 2010 para poder distribuir dividendos. Os juros das debêntures da Primav [que correm a CDI + 2,45% ao ano] são semestrais, e isso pode ter sido mais um motivador para essa distribuição agressiva. Olhando para frente não existe mais esta perspectiva.”
Somando a amortização de principal e os juros semestrais que a Primav tem que pagar em dezembro, a conta chega a 380 milhões de reais. A Ecorodovias precisaria distribuir mais 595 milhões de reais apenas para a Primav fazer aqueles pagamentos, mas, segundo analistas, seu lucro líquido de 2015 não chegará nem à metade desse valor.
Não está claro se os herdeiros de Cecílio do Rego Almeida, que controlam a Primav, colocariam dinheiro novo no negócio. Se a Primav vendesse 10% da empresa em Bolsa a preços de hoje, levantaria 440 milhões de reais, o que pagaria a conta do final do ano e jogaria o problema para 2016.
Além da Ecorodovias, a Primav tem 55% do consórcio que ganhou a Linha 18 do metrô de São Paulo e 33% de uma indústria química, a IBQ (que teve lucro de apenas 16 milhões de reais no ano passado). A Linh 18 do metrô vai demandar investimentos de 380 milhões de reais, e parece ser um ativo difícil de vender no momento em que a maioria das outras empreiteiras lutam com seus próprios fantasmas.
Parte da destruição de valor na Ecorodovias tem a ver com um mau investimento que a empresa fez em maio de 2012, quando comprou um terminal de contêineres no porto de Santos com um cheque de 1,3 bilhão de reais.
Na época, o porto de Santos era a imagem do Brasil que parecia dar certo: o porto operava sem capacidade ociosa, e os terminais de contêineres estavam ganhando dinheiro a rodo. A dona do maior deles, a Santos Brasil, estava com suas ações perto da máxima histórica.
Mas os problemas já apareciam no horizonte. Dois novos concorrentes pretendiam entrar em operação nos dois anos seguintes: a Embraport (uma sociedade entre a Odebrecht, a Dubai Ports e o FI-FGTS) e a BTP (dos sócios APM Terminals e MSC). Hoje, o porto tem excesso de capacidade, e os terminais estão tendo que baixar preço para atrair carga.
O Ecoporto, o terminal comprado pela Ecorodovias, está situado na margem direita do porto, considerada uma área de menor valor estratégico por ter uma retroárea menor, ou seja, menos espaço para a movimentação de carga. O filé mignon do porto está na margem esquerda, localizada no município do Guarujá.
Nos últimos meses, a Ecorodovias contratou o Credit Suisse para sondar interessados em comprar o Ecoporto e o Itaú para vender a ELOG, sua empresa de serviços logísticos integrados, dona de centros de distribuição, armazéns alfandegários de exportação e portos secos.
Como a empresa pagou 1,3 bilhão de reais pelo Ecoporto, se vender por menos que isso, vai apurar um prejuízo e não vai conseguir pagar dividendo. O mesmo vale para a ELOG, que está contabilizada no balanço da Ecorodovias por cerca de 600 milhões de reais.
“O fato é que a Ecorodovias comprou ativos no topo do mercado e vai ter que vender na baixa,” estima um analista. “Muito provavelmente a venda do Ecoporto e da ELOG não vai gerar lucro contábil.”