Num tempo em que o Rio de Janeiro está na lona, esvaziado de autoestima e de Poder, a visita à Casa Roberto Marinho, literalmente no suvaco do Cristo Redentor, é a lembrança nostálgica de um Rio que já se foi e, pelo jeito, não volta mais.
Roberto Marinho dispensaria apresentações, mas, para benefício dos millennials, convém explicar que ele é nosso William Randolph Hearst (google it!), a maior eminência parda do século XX, e o homem icônico que fez das Organizações Globo o Quarto Poder do Brasil.
À luz da história, pode-se discutir a contribuição feita ao País por uma ‘elite esclarecida’ hegemônica — mas, como os poderosos de hoje não tem projeto, charme ou erudição, Roberto Marinho dá até saudade.
Nos moldes do Instituto Moreira Salles, o Instituto Casa de Roberto Marinho — uma agradável visita de uma hora no bairro do Cosme Velho — oferece ao público exposições, palestras, cursos, e uma aula de história política, econômica e estética.
Muito ocorreu naquela casa.
Nas fotos históricas — com narração de Pedro Bial ao fundo — vemos desde saraus inesquecíveis, com Pixinguinha e Tom Jobim, a festas nos anos 70 com atores globais trajando a indumentária típica da época, com muito poliéster e peitos peludos à mostra. (Cada década tem a estética que merece, suponho.)
De jantares black-tie a recepções para chefes de Estado, de soirées casuais a conversas reservadas, a casa emanava o poder de seu dono e habitante ilustre, um personagem ‘larger than life’ que fazia e derrubava ministros e presidentes.
A casa do Cosme Velho começou a ser construída em 1939 por César Melo Cunha, assistente de Joseph Gire, também responsável pelo Copacabana Palace e pelo Palácio Laranjeiras — o primeiro, fonte de hedonismo, o segundo, da pornografia política de inúmeros governadores.
Inspirada no Solar de Megaípe, uma fazenda de Pernambuco do século XVII, a casa tem jardins de Burle Marx que são um show à parte. Ao pé da Floresta da Tijuca, o jardim foi um dos primeiros projetos do mestre feitos para uma propriedade particular e com plantas tropicais. Abrigando espécies da mata atlântica, o paisagismo contou inicialmente com a contribuição de Attílio Corrêa Lima e, nos anos 1990, Isabel Duprat foi responsável por uma remodelação, retomando as ideias do paisagista original. O projeto preservou a mata ao redor, o Rio Carioca, que corta a propriedade, e o famoso lago onde o jornalista criava carpas.
Mas a peça de resistência e grande interesse da visita é a coleção de arte.
O acervo, formado ao longo de 60 anos, pende para o modernismo e abstracionismo brasileiros. Trata-se de uma coleção única e absolutamente imperdível.
Como colecionador, Roberto Marinho começou apostando em artistas da sua geração, como José Pancetti, Alberto da Veiga Guignard e Candido Portinari. Mas além destes, há também Di Cavalcanti, Nery, Segall, Dacosta, Tarsila, Burle Marx e Djanira. Bem como Iberê Camargo, Antonio Bandeira, Tomie Ohtake e Manabu Mabe.
Com o Estado brasileiro estrutural e cronicamente falido, essa tendência de transformar nossos grandes “estates” em centros culturais deveria ser a norma das grandes famílias – uma espécie de uma obrigação cívica — pois parece ser uma das melhores chances de preservarmos nossa história, que flui pelos dedos de um mundo cada vez mais perecível e digital.
Cercada da mais pura degradação ambiental e humana ao redor, fruto de séculos de descaso, a casa é – no fim das contas e ironicamente — pura resistência. A curadoria do local, bem como sua manutenção e funcionamento, prima por um profissionalismo cada vez mais incomum no balneário ex-capital.
E esse contraste — bem como as contradições do próprio jornalista — é o mais acabado retrato do Brasil.
Casa Roberto Marinho: detalhes para visitação
Fernando Carneiro é escritor e trabalha com relações com investidores na IHS Markit. Seu email é carnefernando@gmail.com