Desde que seu pai morreu há quase 20 anos, João Carlos Saad tem sido o rosto e o pulso firme que lidera a Rádio e Televisão Bandeirantes, um dos maiores grupos de mídia do País.
Mas agora, pela primeira vez sua liderança está sendo questionada pela família, preocupada com a capacidade da Band de resistir a uma dívida bancária cada vez mais impagável e ao cenário desafiador para a mídia tradicional.
Num processo que corre na Justiça, as irmãs Marcia e Leonor Saad pedem que os tribunais removam Johnny da liderança do grupo e obriguem a Band a iniciar um processo de profissionalização.
A ação expõe pela primeira vez os bastidores dos Saad — e as dificuldades de uma companhia familiar em concordar sobre o que é melhor para seu destino comum: deixar como está e aguardar resultados diferentes, ou romper com duas décadas de uma gestão que mistura negócios privados com a gestão da empresa.
A história de como as irmãs Saad perderam a paciência e tomaram a decisão dura de se voltar contra o irmão começa em 2014, quando os Saad assinaram um acordo de acionistas pela primeira vez.
São cinco os Saad que podem chamar a Band de sua: Johnny, Ricardo, Marisa, Marcia e Leonor. Cada um tem 20% da empresa fundada pelo pai, João Jorge Saad. A mídia entrou na família pelo lado da mãe: o velho Saad casou-se com Maria Helena, filha do então governador de São Paulo, Adhemar de Barros. Nas décadas seguintes, o genro transformou a rádio do sogro — a Bandeirantes — num império de comunicação.
Com a morte de Saad em outubro de 1999, o comando do grupo passou a Johnny, que — exceto pelas discussões e brigas comuns a qualquer família — dirigiu a empresa por 15 anos sem contestação.
Em 2014, com a situação da empresa se deteriorando, alguns irmãos pressionaram por um acordo de acionistas. O contrato previa duas coisas: o cargo de CEO teria que ser renovado a cada três anos, e a Band contrataria um CFO externo para começar a profissionalizar sua gestão.
Mas como a maioria dos grupos familiares de mídia, a Band resiste a se reinventar. A empresa é descrita por atuais e ex-funcionários como uma estatal tecnicamente falida, em que diretores ganham salários acima do mercado, não entregam resultados e mal são cobrados por metas. Dos 3.200 funcionários, mais de 50 têm o crachá de diretor.
O grupo deve cerca de R$ 1,2 bilhão — mais de oito vezes a geração de caixa — incluindo uma dívida crescente com as afiliadas, algumas das quais já ameaçam trocar de emissora.
Enquanto isso, a concorrência avança. A Globo criou o GloboPlay e a Record, o PlayPlus — seu serviço de streaming — mas a Band ainda não fez nada significativo em termos de transformação digital.
Logo que assumiu, a nova CFO, Magali Leite — uma executiva com passagens pela Claro e pela Contax — contratou a G5 Evercore para ajudar a Band a negociar sua dívida com os bancos, disseram fontes da Faria Lima. Da dívida total, cerca de R$ 800 milhões estão nas mãos do Banco do Brasil, Bradesco e em debêntures carregadas por bancos como o BTG Pactual e a Caixa. Outros R$ 400 milhões são devidos a fornecedores — há até uma dívida com a Globo, por direitos de futebol devidos e não pagos.
Em abril do ano passado, os bancos concordaram em dar à Band um ano de carência no principal da dívida. Os credores aceitaram a trégua porque a companhia se comprometeu a fazer uma restruturação financeira e operacional, sem a qual não conseguirá honrar os compromissos.
Dentro e fora da Band, pessoas que conhecem a situação da empresa dizem que Johnny resiste às mudanças. “Ele faz uma gestão antiga, com pessoas que estão lá há 30, 40 anos e não entenderam que o business da televisão mudou,” diz um ex-executivo. “Não dá pra fazer televisão como se ainda estivéssemos nos anos 90.”
Na família, o maior agitador por mudança é José Saad Duailibi, o primogênito de Leonor. Duailibi, de 35 anos, é um dos 14 membros da terceira geração que se preocupam com o futuro do grupo e, dado seu desejo de mudança, sempre teve uma relação complicada com o tio. Até meados do ano passado, quando deixou o grupo, Duailibi liderava a Band Minas.
Em julho, o topo da pauta da assembleia de acionistas era a recondução de Johnny ao comando do grupo, visto que seu mandato expirava no final daquele mês. Marcia Saad e Leonor, conhecida na família como Nonô, disseram não ter informações suficientes para reconduzir o irmão.
Dias depois, foram à Justiça.
Na ação, os advogados das irmãs desancam Johnny como “um dono que nunca foi,” falam de sua “influência devastadora” sobre o grupo, “fruto do temor reverencial e paralisante”. À época, os advogados reconheciam no processo que as irmãs ainda não contavam com a maioria no conselho para destituir “o tirano”.
Na ação, as irmãs listam uma série de decisões unilaterais de Johnny que teriam contribuído para a derrocada da empresa — incluindo um laudo da Ernst & Young, auditor da Band, que mostra um pagamento de R$ 14,5 milhões feito pela Band Rio a uma empresa do ex-governador Sergio Cabral sem contrapartida conhecida.
Enquanto Marcia e Leonor tentavam destituir o irmão, a posição dos outros dois Saads não era clara até recentemente. Ricardo sempre foi visto como solidamente pró-Johnny, e Marisa estava dividida. Por um lado, acreditava que a gestão tem que mudar; por outro, não queria antagonizar o irmão.
Mas em dezembro, Marisa escolheu um lado.
Antes da assembleia de acionistas marcada para aquele mês, os herdeiros de João Jorge Saad (cujo inventário continua aberto) se reuniram para instruir Ricardo Saad — o inventariante — como votar. Donas de 60% do capital da empresa, as três irmãs determinaram que Ricardo votasse contra Johnny. Mas no dia da assembleia, Ricardo descumpriu a determinação e votou a favor do irmão. Johnny — que cultiva uma rede de amigos que inclui juizes, desembargadores e políticos — continua no cargo, e as irmãs continuam a pedir na Justiça seu afastamento.
Conhecida por sua cobertura esportiva, jornalismo independente e por ser a pioneira dos debates presidenciais desde a democratização, a Band tem um lugar especial no coração do brasileiro. Mas para que a empresa sobreviva, algo vai ter que mudar.
Com dívidas reperfiladas vencendo em abril, os credores estão cada vez mais nervosos. Para piorar, na semana passada, a vp financeira encarregada das negociações pediu demissão. Num comunicado interno, Johnny disse que ela estava saindo para se dedicar a “projetos pessoais”.