Uma cadeira dominou o País. O móvel – objeto corriqueiro presente na vida de todos, independente de gênero ou classe – foi capa de jornal, foco de debates políticos e de infindáveis memes.
Não é a primeira vez que essa peça acessória ganha protagonismo. O ser humano (e particularmente os artistas) nutrem um grande fascínio pelo objeto que tem pés, braços e costas.
Da simplicidade da espreguiçadeira de praia à nobreza do trono, da executiva giratória até o castigo letal na cadeira elétrica – a simbologia pode ser de descanso, trabalho, poder ou justiça, e por aí vai.
Para além da literalidade, a cadeira pode ser usada, no design e nas artes visuais, como meio de expressar pensamentos e emoções complexas (ao que parece, na política também).
“A cadeira é o objeto mais icônico do design e tem infinitas variações; é um desafio que todo designer em dado momento vai querer enfrentar e fazer ‘a sua cadeira’, porque ela é inesgotável, seja pela forma, tamanho, material, tecnologia, pensamentos e mensagem,” a curadora de design Livia Debanne disse ao Brazil Journal. “Podemos contar a história da humanidade através desse objeto.”
O formato escultórico da cadeira atrai artistas e designers. Junto com Nessia Pope, Livia acaba de organizar uma exposição na Galeria Luisa Strina. Uma cadeira é uma cadeira é uma cadeira, que terminou ontem, exibiu as versões do objeto de 51 artistas contemporâneos e modernos.
“Se tipicamente o designer industrial precisa considerar questões como a produção em escala ou a ergonomia, os artistas podem se aventurar com espontaneidade em materiais e técnicas, comentando dinâmicas sociais, políticas, tecnológicas e culturais,” disse Livia.
Na pintura, a cadeira tem sido mais que um pano de fundo ou objeto decorativo. Os temas culturais de uma época estão refletidos nas telas através das cadeiras.
Durante o Renascimento, os quadros tinham cadeiras bem detalhadas e realistas, instrumentais para o desenvolvimento de uma nova perspectiva nas telas. Nos séculos seguintes, a cadeira foi elemento de destaque em cenas domésticas, como nas famosas obras do pintor holandês Vermeer.
Já no século XIX, assumiram um papel mais emocional, como em Van Gogh. Foram duas pinturas icônicas que viraram suas naturezas-mortas mais importantes e inovadoras, depois dos Girassóis. As cadeiras representavam quem não estava presente: Van Gogh e Gauguin, no período que ficaram juntos em Arles.
Na primeira tela, A cadeira de Van Gogh, hoje integrante do acervo da National Gallery, em Londres, o espectador vê uma cadeira de palha amarela e bem rústica – a cor favorita do artista – com objetos de uso pessoal em cima do assento: um cachimbo e a bolsa de tabaco, resultando praticamente um autorretrato do artista.
A segunda tela, A cadeira de Gauguin, hoje no acervo do Museu Van Gogh, em Amsterdã, apresenta uma cadeira bem mais confortável do que a de Van Gogh, o que leva à interpretação de uma pessoa mais sofisticada e complexa, também com objetos no assento, desta vez uma vela acesa e dois livros.
A cadeira de Van Gogh foi reimaginada por David Hockney um século depois. O pintor inglês elevou a cadeira a um elemento central em suas composições, usando-a como símbolo de humor e da passagem do tempo.
“O uso cadeiras como instrumento narrativo, do invisível e do não dito, é uma forma de contar histórias por meios visuais,” dizia Hockney.
“Tudo é autobiográfico e tudo é um retrato, mesmo que seja uma cadeira,” concordava Lucien Freud.
A cadeira na arte pode ser um autorretrato, mas seu uso violento na política pinta outro quadro: a decadência da civilidade.