Num País em que é sempre muito difícil mudar o status quo, e em que milhões de pessoas ainda vivem sem água tratada e coleta de esgoto pela incapacidade de investimento do Estado, o Governo de São Paulo conseguiu hoje fazer algo de consequência.

A oferta de ações da Sabesp — que na prática privatiza a companhia de saneamento — foi concluída agora à tarde, numa operação em que o Estado vendeu 15% da empresa para a Equatorial Energia e 17% para o mercado. 

A oferta pública foi marcada por uma demanda brutal de investidores, atraídos pela arbitragem entre o preço da oferta e o preço de tela. 

Enquanto o papel foi vendido na oferta a R$ 67 — o preço ofertado pela Equatorial para se tornar o acionista de referência — a ação da Sabesp negocia hoje a R$ 82, uma diferença de mais de 20% que será capturada pelos investidores que foram alocados. 

Ao contrário das teorias conspiratórias da oposição, não há nada de errado com esta discrepância de preço: o papel só negocia a R$ 82 porque o mercado já precifica os ganhos de eficiência da privatização que a Equatorial deve trazer. 

Ainda assim, este dinheiro “de graça” inflou a demanda para mais de R$ 190 bilhões — cerca de 30x o tamanho do book.

Essa arbitragem cavalar também transformou o processo de alocação das ordens numa oportunidade única para os bancos coordenadores — que poderiam usar isso como moeda para agradar seus melhores clientes. 

Na reta final, no entanto, o poder ficou todo nas mãos do BTG, o coordenador-líder de um sindicato cuja primeira linha inclui ainda UBS BB, Itaú BBA, Citi e Bank of America. 

Ontem à noite, o banco de André Esteves enviou um email aos concorrentes (e colegas de sindicato) dizendo que, “conforme diretrizes do Estado”, as alocações seriam definidas pelo Governo estadual com base em critérios discutidos anteriormente pelo sindicato. 

O BTG informava ainda que a alocação ocorreria na manhã de hoje e a lista final seria disponibilizada aos coordenadores a partir das 17h30, sem possibilidade de alteração.

Todos os outros bancos reclamaram do processo, que efetivamente os alijou da tomada de decisão. 

“No final do dia, o cara que estiver dentro da sala é que vai dizer para quem eles vão dar o presente,” resumiu um gestor que colocou uma ordem na oferta e, como a maioria, acabou tendo uma alocação muito baixa.  

Ao longo do dia, os bancos alijados também reclamaram do processo junto a seus clientes/gestores, já que ele permitiria ao BTG – o único banco “dentro da sala” – beneficiar seus clientes mais próximos em detrimento das ordens de outros investidores sem relação forte com o banco. 

Segundo um destes bancos, as ordens do private bank do BTG foram maiores que as do Itaú, apesar do private do Itaú ser maior. 

“A dúvida que ficou é se eles não alocaram mais para o private deles para agradar os clientes,” disse um gestor.

Executivos do BTG buscaram minimizar o poder do banco no processo, dizendo que tudo foi decidido pelo Estado, que teria privilegiado os gestores que mais engajaram com o Governo na discussão do modelo da privatização. 

“Na hora da alocação, realmente o processo foi concentrado na gente, mas com o input de todos os bancos,” disse uma fonte do BTG. 

Segundo a revista Exame, que pertence ao BTG, nenhuma gestora foi alocada com mais de R$ 200 milhões, e Perfin, Squadra, Opportunity, Atmos, SPX e Truxt teriam ficado com cerca de R$ 100 milhões cada. (Depois de publicada, a reportagem saiu do ar).  

Na Faria Lima, o incentivo para entrar na oferta era tão, digamos, suculento, que os sócios de algumas gestoras convenceram o compliance a lhes dar um waiver, permitindo aos sócios investir na oferta na pessoa física.

Ao fim e ao cabo, as recompensas eram grandes demais para ignorar, e os desalinhamentos seguiram a reboque.

Mas pelo menos, a Sabesp agora vai investir como deve.