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Quase dez anos atrás, quando Mukesh Ambani começou a transformar o gigante petroquímico herdado de seu pai num império de banda larga, os críticos foram rápidos em emitir julgamento: “Não vai dar certo,” “É muito caro,” “Não existe demanda”, diziam.

US$ 40 bilhões de investimento depois, o homem mais rico da Ásia (e quarto do mundo) calou a boca dos céticos.

11152 1cb216fa c4ff ac74 9ceb b6585e2bd791Mukesh está começando a colher os louros de uma estratégia que criou a Jio Telecom, a segunda maior empresa de telecom do mundo em número de clientes, atrás apenas da China Mobile. No caminho até aqui, Mukesh quebrou oito dos onze concorrentes — inclusive o irmão —, ajudou a conectar 1 bilhão de indianos à internet, e transformou a Reliance, o conglomerado de sua família, numa das maiores companhias de internet da qual você nunca ouviu falar.

“Ele é implacável, mas também um líder empresarial visionário, provavelmente na mesma categoria de um Steve Jobs e um Henry Ford,” diz Brett Weil, gestor da Tekne Capital em Nova York, que tem US$ 250 milhões investidos na Reliance, sua maior aposta — e cujo fundador, Beeneet Kothari, entrevistamos no mês passado.

A Reliance tem três negócios: o de petroquímica, que deve ser vendido nos próximos anos, a Jio Telecom, e a Reliance Retail, uma rede de varejo que opera mais de 10 mil lojas de conveniência, supermercados, atacarejo e até uma joalheria.

O conglomerado hoje vale US$ 200 bilhões na Bolsa da Índia, mas só a Jio Telecom pode valer US$ 280 bilhões nos próximos anos, nas contas da Tekne. (Como a Jio não tem dívidas, seu valor de mercado é igual a seu ‘valor da firma’, o EV.)

Como uma das maiores telecoms do mundo, esse EV estaria em linha com AT&T (US$ 400 bi), Verizon (US$ 360 bi) e Comcast (US$ 300 bi), mas há uma diferença importante, que melhora os prospectos para a Jio. Enquanto as redes das americanas foram construídas há décadas, são compostas de várias camadas de tecnologia e desenhadas para tráfego de voz e de dados, a rede da Jio não tem nem 10 anos, e foi feita sob medida para dados.

A Jio entrou no mercado usando uma fórmula antiga: ofereceu internet de graça por um período de seis meses, ganhando rapidamente um market share de 65% e ultrapassando com folga as incumbentes Bharti Airtel e Vodafone Idea, hoje o segundo e terceiro player do setor.

Hoje, a Índia tem 1,15 bilhão de celulares, dos quais 650 milhões são smartphones ligados à rede 4G. Destes, 400 milhões são clientes da Jio.

A estratégia também fez os preços do mercado despencar: hoje, o tíquete médio por usuário por mês (o chamado ARPU, no jargão da indústria) é US$ 2.

Agora que a Jio virou a número 1, a Tekne aposta que o setor vai passar por um longo período de aumento de tarifas. Em dezembro, as três empresas já aumentaram o preço no mesmo dia em 40%, e a aposta da gestora é que nos próximos cinco anos o ARPU volte para US$ 5.

Este valor é relevante por dois motivos. Primeiro, porque era o ARPU da indústria antes da Jio entrar no mercado (e ao longo da última década, o PIB indiano cresceu 10% ao ano em média, o que significa que o consumidor provavelmente conseguirá arcar com os US$ 5). Segundo, porque é o nível de preço em que a Vodafone, que está nas cordas, conseguiria voltar ao breakeven.

“Apesar de apoiar campeões nacionais, o governo não quer um mercado de apenas dois players, por isso não é do seu interesse que a Vodafone quebre,” diz Brett. “A Jio não precisa dos aumentos de tarifa porque já ganha dinheiro com os preços de hoje e faz uma margem EBITDA de 41%, mas ela também vai se beneficiar muito.”

Nas contas de Brett, essa série de aumentos de preço deve multiplicar o EBITDA da Jio por quase 10x, o que justificaria o valuation de US$ 280 bi.

Mais do que dominar o mercado de banda larga, Mukesh está usando a Jio para construir a versão indiana de serviços como a AWS, o Zoom e a Netflix. A criação de novas empresas de tecnologia seguindo este modelo pode fazer da Índia um mercado de tech de US$ 3 trilhões, com a Jio capturando um terço disso, nas contas da Tekne. 

“O Jeff Bezos é um inovador; o Mukesh vê o que funciona e cria uma versão sob medida para a Índia.” 

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A história de transformação épica de um old economy business numa das companhias mais promissoras do planeta envolve conexões políticas, uma crença hereditária no poder dos monopólios, e um ambiente institucional que garante que os campeões nacionais serão sempre os vencedores.

O pai de Mukesh, Dhirubhai Ambani, ensinou ao filho que o caminho mais curto para a fortuna extrema é um bom e velho monopólio. “O que é bom para a Índia é bom para a Reliance,” dizia o velho Ambani, se envelopando no nacionalismo.

O filho aprendeu a lição e foi um dos grandes apoiadores políticos do primeiro-ministro Narendra Modi, eleito em 2014 — quando Mukesh ainda estava começando a executar sua estratégia.  Acredita-se que a Jio teve facilidade na compra de espectro e um ambiente regulatório amigável.

Parte do sucesso de Mukesh tem a ver com a proteção do mercado. Na Índia, foreigners are not welcome. Em 2018, por exemplo, o Walmart comprou o Flipkart por US$ 16 bilhões; dias depois, o governo mudou as leis limitando a habilidade de empresas estrangeiras de vender seu próprio estoque.

Quando o Facebook tentou oferecer internet gratuita (Facebook Basics), o regulador vetou. E quando o Zoom começou a operar no país, o governo disse que a tecnologia “não é segura”. (Dias depois, a Reliance lançou o Jio Connect, um serviço equivalente.)

Resultado: nos últimos cinco meses, os principais CEOs do Silicon Valley dobraram o joelho e tiveram que beijar o anel de Mukesh.

Em diversas transações começando em abril, empresas como Facebook e Google, e fundos de private equity como Silver Lake, General Atlantic e KKR investiram juntas mais de US$ 20 bi por participações minoritárias na Jio.

Hoje, só é possível investir na Jio comprando ações da Reliance na Bolsa indiana, mas Mukesh já disse que espera listar a Jio separadamente nos próximos cinco anos. “Acreditamos que isso pode acontecer bem antes,” diz Brett.

No início do mês, a Bloomberg reportou que Mukesh está negociando vender até 40% da Reliance Retail para a Amazon por US$ 20 bi — uma transação que converteria Jeff Bezos de rival a aliado.

Dessa vez, Bezos pode não ter muita escolha.