Ainda abaixo dos 40 anos, discreto e cerimonioso, Gustavo Nóbrega é a antítese de um vendedor ou de um Larry Gagosian.
A Galeria Superfície – que ele abriu 10 anos atrás em um espaço de 45m² na Oscar Freire – reflete a história de seu criador: um artista que virou galerista, o que o fez estruturar o negócio de uma forma única.
Seu avô abriu uma galeria – a Nóbrega Antiguidade e Galeria de Arte – num longínquo 1935, e o garoto cresceu no métier. Seu pai herdou a galeria e tocou o negócio enquanto mantinha uma produção artística.
A rotina ateliê/galeria foi o pilar de sua educação e formação profissional, o que faz de Gustavo um dos galeristas mais interessantes da sua geração.
Além de cuidar da programação, representação de artistas e venda, Gustavo dedica tempo para montar o Arquivo Superfície, voltado à pesquisa e digitalização de documentos relacionados à arte conceitual e de vanguarda, e a Superfície Publicações, que edita de forma primorosa projetos inéditos e históricos.
O papel é valorizado até na hora de enviar os convites para vernissages. Enquanto a maioria das galerias manda um email, na Superfície o convite vai pelo correio – com papel especial e design elaborado.
O Gustavo galerista começou depois de 7 anos do Gustavo artista, que fez exposições fora do Brasil e tem uma obra na Pinacoteca. Era uma forma de reforçar a receita, mas aos poucos Gustavo foi deixando de produzir para virar galerista em tempo integral.
“Eu tinha acabado de voltar de uma residência em Nova York e vi que lá havia várias galerias em espaços pequenos. Percebi que o metro quadrado não importava, nem a quantidade de sócios. Resolvi me especializar em obras sobre papel e o programa naturalmente foi se direcionando para artistas que usavam a palavra na imagem, como o Leonilson e Mira Schendel,” Gustavo disse ao Brazil Journal.
Quem procura uma obra de arte para combinar com o sofá não procura a Superfície, cuja programação atrai um público sofisticado de intelectuais e artistas. Suas vendas são na maioria para instituições – nacionais e internacionais – e grandes colecionadores focados nessa arte mais “cabeça” e menos comercial.
“Eu comecei a galeria já pensando em trabalhar com mercado primário e secundário e com esse tipo específico de arte. Aos poucos, alguns artistas jovens, que também faziam uso da palavra ou eram mais engajados politicamente, começaram a se aproximar. Acabei chegando no Poema Processo, que é esse movimento de poesia visual dos anos 60 e que me levou para a arte conceitual.”
Gustavo diz que a escolha de representação pela galeria passa por artistas que tenham ligação com a poesia ou engajamento político ou conceitual. A preocupação é com a arte, não com o potencial comercial.
“Quis retomar artistas que foram importantes mas acabaram esquecidos porque o circuito não absorveu sua produção, ou porque o artista morreu cedo ou às vezes porque o próprio artista se frustrou com o mercado e se recolheu. Muitos eram antimercado e antimuseu. Por isso carecem de uma revisão e de um reconhecimento – pessoas que nos anos 60 e 70 tiveram extrema importância na história da arte e quase ninguém lembra.”
A boa notícia para os que temem que o público para esse tipo de arte esteja em extinção é que a galeria está no auge, e agora, aos 10 anos, acaba de abrir um novo espaço nos Jardins, na Casa 4 da Vila Modernista de Flávio de Carvalho, a poucos metros do primeiro endereço.
A Superfície Vila Modernista contará com um programa especial de exposições em paralelo à sede original na rua Oscar Freire.
A Superfície “é a galeria jovem mais importante de São Paulo,” me disse Luisa Strina. “São 10 anos de pesquisa (o que poucos fazem hoje) e de um trabalho sério e consistente.”
Para inaugurar o novo espaço, Gustavo organizou com Diego Matos uma exposição intitulada Jornais e Etc.
Foram quase 8 anos mapeando artistas que usam o jornal como suporte. A coletiva traz o jornal como protagonista do cenário artístico dos anos 60 até hoje, reunindo 21 nomes como Antonio Manuel, Amélia Toledo e Paulo Bruscky, e artistas mais jovens como Cinthia Marcelle, Renata Lucas e André Komatsu.
Gustavo diz que não se lembra de uma exposição que tenha abordado o tema dessa forma no País – o que chega a ser curioso, porque muitos artistas em algum momento da carreira já usaram os jornais como tema.
Essa relação rendeu obras famosas, como Dali News, em que o pintor surrealista espanhol criou um jornal absurdo sobre si mesmo, até Picasso, que em 1912 inovou ao usar uma página de um jornal parisiense para uma colagem chamada Violão, Partitura e Vidro.
Luis Buñuel dizia que quando morresse gostaria de ressuscitar só para poder comprar jornais.
Mesmo na era digital, e apesar dos influencers que roubam nossa atenção, o fascínio e o interesse por jornais se mantém vivo. O bom e velho jornal – como curador de uma realidade cada vez mais complexa, e filtro do que é fake e do que é fato – ainda é um pilar da sociedade civilizada. E justamente por isso, cada vez precisamos mais deles, na arte e na vida.
A mostra fica em cartaz até 12 de outubro.