A polarização política invadiu até o jogo de tabuleiro.

A fabricante de brinquedos Hasbro lançou uma versão “socialista” do Monopoly, o jogo em que propriedades como bairros, casas e empresas são compradas e vendidas, deixando alguns jogadores “ricos” e outros, na falência. 

Em “Monopoly: Socialism – Winning is for Capitalists”, não há propriedades à venda. Apenas projetos. 

Os terrenos são ocupados com estabelecimentos como o restaurante No-Tip Vegan ou o hospital Healthcare for All

A partida começa com a alocação de 1.838 dinheiros para um Fundo Comunista – o manual de instrução lembra, com sarcasmo, se tratar do ano de publicação do manifesto de Marx e Engels.

A cada jogada, o fundo vai sendo dilapidado: pra pagar a renda mínima, financiar escolas ou o plantio de árvores – ou cobrir qualquer despesa quando um jogador não tem dinheiro. 

“Monopoly: Socialism” é um jogo onde todos perdem.

Tecnicamente é possível alguém vencer antes do fundo acabar, mas a probabilidade é muito baixa. E quando um jogador chega perto de vencer, ele é encorajado a agir por seu interesse próprio. O que inclui pagar propina.

Na anti-utopia socialista da Hasbro, os socialistas são seres veganos preocupados com o uso de canudinhos plásticos e apoiar escola pública é uma carta ruim. Quem mandou ter filhos?

Uma das poucas formas de repor o fundo é alguém fazer uma doação voluntária. E como são ultrapassados esses socialistas: as tradicionais miniaturas de casas e prédios foram substituídas por telefones com fio, gramofones e televisores de tubo. 

O cinismo parece ter tomado conta da equipe de criação da Hasbro. 

No ano passado, a empresa já havia lançado um jogo crítico aos millennials, com o subtítulo “Esqueça as propriedades. Você não pode pagar.”

Em “Monopoly: Millennials”, os jogadores não compram propriedades, mas experiências, como uma ida a um bistrô vegano ou um festival de música – “por que as memórias duram para sempre.”

É comum a Hasbro fazer variações do jogo clássico, numa tentativa de surfar na popularidade de filmes, franquias e personagens – de Game of Thrones a Star Wars e até Pokémon. Mas todas são direcionadas a fãs. 

Não é o caso das versões “millennial” ou “socialista” – um rótulo que, nos EUA, os Republicanos querem fazer colar nos Democratas na eleição do ano que vem.

O Monopoly é um dos jogos mais populares da história, com mais de 275 milhões de unidades vendidas em mais de 100 países. (A cada ano, a Hasbro “imprime” 30 bilhões de dinheiros.)

Monopoly é o capitalismo como ele é, com todo seu apelo e todas as suas injustiças. A primeira pessoa a ganhar um bom lote de terra sempre acaba vencendo.

Demonstrar essa assimetria era o objetivo original de Elizabeth Maggie, que patenteou as regras do jogo em 1903, como The Landlord’s Game. 

Descendente de escoceses morando em um subúrbio de Washington DC, Lizzie, como era conhecida, trabalhava de estenógrafa. Contrariando os costumes da época, era solteira e independente financeiramente: conseguiu comprar uma casa com o próprio dinheiro. Complementava a renda alugando o quartinho dos fundos. 

Lizzie se identificava com o pensamento do economista Henry George, que pregava uma maior taxação para grandes proprietários de terra. Depois do expediente, costumava dar aulas e debater sobre as desigualdades e injustiças. 

“Que as crianças vejam claramente a injustiça do nosso sistema de propriedades,” escreveu sobre o seu invento. “Quando crescerem, se eles se desenvolverem naturalmente, o mal será remediado.” 

A estrutura do tabuleiro e as regras do The Landlord são muito parecidas com a do Monopoly que se joga hoje, com dinheiros e propriedades para comprar e vender. Os jogadores podiam pegar dinheiro no banco ou fazer empréstimos entre si, e tinham de pagar impostos. 

Mas a versão que ganhou o mundo suprimiu as características mais caras a Lizzie.

Além de uma homenagem a Henry George, o jogo original remunerava bem o trabalho. E quem ficava pobre ia parar na “Casa dos Pobres” – e recebia pão e abrigo.

Lizzie chegou a patentear a invenção, mas não conseguiu atrair investidores. Por três décadas, versões caseiras circularam entre amigos e amigos de amigos, até que chegou às mãos de um sujeito chamado Charles Darrow.

Desempregado e em busca de um jeito de ganhar dinheiro, Darrow se apropriou da ideia, rebatizou de Monopoly e assinou um contrato com a Parker Brothers, posteriormente adquirida pela Hasbro. Ficou milionário.

Pouco antes do lançamento de Monopoly, Lizzie foi procurada pelos advogados da Parker, que compraram os seus direitos por uma ninharia com a promessa de comercializar o jogo. Mas The Landlord foi parar na gaveta – junto com a chance dela de reclamar direitos autorais.  

A trapaça foi revelada recentemente no livro The Monopolists, de Mary Pilon (2015). A Hasbro nunca admitiu nenhuma outra autoria que não fosse a de Charles Darrow.

 

Assim, o jogo que é a celebração maior do capitalismo nasceu de um roubo de propriedade intelectual.