Um dos poucos sites de ecommerce com um negócio aparentemente à prova de Amazon, a Farfetch – que só vende marcas de luxo – quer fazer seu IPO na Bolsa de Nova York este ano.
Segundo a CNBC, o valor de mercado ambicionado pela companhia – US$ 5 bilhões – é salgado quando comparado ao valuation que a companhia obteve em sua mais recente rodada, em 2016, quando foi avaliada em US$ 1,5 bilhão.
Fundada em 2007 por José Neves, um português que tinha uma marca de sapatos finos, a Farfetch é um misto de Amazon com Daslu – um marketplace para fabricantes e boutiques multimarcas de luxo – e vem crescendo a taxas assombrosas.
Em 2016, o valor das mercadorias vendidas na Farfetch subiu 80% para US$ 760 milhões, elevando a receita da empresa – que fica com uma comissão – em 74%, para US$ 210 milhões.
O crescimento atraiu o interesse de grandes nomes do varejo. No ano passado, a JD.com, gigante do ecommerce chinês, investiu US$ 400 milhões numa parceria estratégica para impulsionar a Farfetch no país, o terceiro maior mercado de luxo do mundo e o que cresce mais rapidamente.
Com um plano de expansão agressivo, no entanto, a Farfetch ainda operava no vermelho, com um prejuízo de US$ 47,3 milhões em 2016.
Ainda é cedo para dizer se o mercado vai topar pagar o valor almejado pelos acionistas, mas a preparação para o IPO vem num momento em que o ecommerce de luxo parece estar entrando definitivamente na moda, atraindo tanto investidores financeiros quanto estratégicos.
Em setembro, o fundo de private equity britânico Apax Partners comprou a Matchesfashion.com, que faturou US$ 285 milhões em 2016, por US$ 1 bilhão – num negócio que também atraiu o interesse da Bain Capital e da KKR.
No mês passado, a Richemont, dona de marcas como Cartier e Montblanc, lançou uma oferta para aumentar sua participação, até então minoritária, e fechar o capital da Yoox Net-A- Porter, a líder mundial do ‘luxury e-tail’ – como o setor vem sendo chamado. A Yoox faturou US$ 2,2 bilhões em 2016, e a oferta avaliou a companhia, listada na Bolsa de Milão, em quase US$ 5 bilhões.
O mercado de luxo embarcou tarde nas plataformas de ecommerce – graças, de um lado, à resistência dos fabricantes, e de outro à falta de plataformas que protegessem o apelo de marcas que são feitas para poucos. Boa parte dos fabricantes de luxo se recusam a vender na Amazon, que não garante o caráter exclusivo e nem a autenticidade dos produtos.
Nos últimos anos, no entanto, a oferta de sites nichados e dispostos a oferecer serviços exclusivos cresceu, assim como a demanda dos consumidores. Um estudo feito pela Bain & Co mostra que as vendas online do segmento aumentaram 24% ano passado, enquanto o mercado total de luxo avançou 5%.
Os modelos de negócio variam. A Yoox Net-A-Porter atua como varejista pura – e não marketplace. Já Neves, da Farfetch, optou por um modelo que demanda menos capital de giro. Ao todo, são mais de 700 marcas e boutiques atendidas em todo o mundo, com entrega para 190 países.
A Farfetch já fez um esforço para se tornar omnichannel: em 2015, comprou a Browns, uma icônica rede de lojas em Londres que está servindo como laboratório para o que deve ser a ‘loja do futuro’, com espelhos touchscreen e cabideiros inteligentes.
O serviço é um ponto forte: além de uma curadoria cuidadosa dos produtos – apresentados por marca, itens, boutiques ou tendências –, a Farfetch entrega em até dois dias nos Estados Unidos e na Europa.
Num segmento em que as itens normalmente são vendidos a pelo menos quatro dígitos, uma pequena parcela de consumidores fidelizados – e endinheirados – responde por uma boa parte das receitas. A Farfetch não abre essa informação, mas na concorrente Yoox, 2% da base de clientes ativos responde por 40% do faturamento. São os chamados ‘EIPs’ — ‘extremely important people’.
O IPO da Farfetch será uma porta de saída para investidores que apostaram na empresa desde o início, como o Advent Ventures e a eVenture Capital. Outros investidores incluem o Temasek e a Condé Nast, além da JD.com.
Em recente visita ao Brasil – onde sua empresa vende há seis anos –, Neves conversou com a GQ e falou sobre as oportunidades no País:
“O que outros veem como dificuldade eu vejo como oportunidade. É mais difícil importar no Brasil do que na China ou na Rússia. As tarifas alfandegárias são as mais altas do mundo, e estabelecer negócios é dificílimo. Mas isso significa que não teremos um player para fazer frente à Farfetch por aqui nos próximos anos. Todas as barreiras que outros terão de superar nós já superamos em mais de seis anos de atuação no país.”