A ciência ainda estudará por que um executivo, depois de estabilizar aquele imenso buraco negro fiscal chamado Rio de Janeiro, se dispõe a desenrolar outra barafunda dantesca: as finanças sorumbáticas de Minas Gerais.

Mas esta é a vida profissional de Gustavo Barbosa, agora no início de sua segunda batalha. 10620 7745f140 f3e8 d983 1dcb a4d1780bd9e3

Depois de colocar os salários dos servidores fluminenses em dia e desenhar um plano para retornar o Estado à solvência em quatro anos, o desatador de nós fiscais agora está aplicando a mesma tecnologia em sua terra natal, como secretário de Fazenda do Governador Romeu Zema.

Uberabense criado em Belo Horizonte, Barbosa tem a missão de equacionar um déficit que chegará a R$ 100 bilhões ao longo de quatro anos, se nada for feito.

Minas gasta 77% de suas despesas correntes com a folha de pagamentos – 17 pontos percentuais acima do que permite a Lei de Responsabilidade Fiscal. (A boa notícia: o secretário é um contador especializado em regimes próprios de previdência.)

“Estruturalmente, a situação do Rio é pior do que a de Minas”, diz Barbosa, que comandou a pasta fluminense entre junho de 2016 e fevereiro de 2018.

O ajuste fiscal também se aplica à vida particular. Barbosa recebe R$ 5 mil como Secretário da Fazenda – como ele é funcionário cedido da Caixa, a lei obriga que ele receba apenas metade do salário-base da função.  Somado aos R$ 14 mil que recebe do banco estatal, na prática o homem da tesoura vive com R$ 12 mil líquidos por mês – uma fração do que ganharia na iniciativa privada para um desafio da mesma monta.

Em 30 dias de governo, Barbosa se orgulha de ter definido um cronograma de pagamento para o 13º atrasado que privilegia quem tem os menores salários.

No dia de nossa conversa, ele também estava feliz por ter achado uma passagem aérea (ida e volta) entre Belo Horizonte e o Rio, onde moram sua esposa e dois filhos, por apenas R$ 288.  É ele quem arca com os custos.

O Brazil Journal esteve com o secretário em seu gabinete, na semana passada, em Belo Horizonte.  A seguir, os principais trechos da conversa.

 

Como estão as conversas com o Tesouro para a entrada de Minas no Plano de Recuperação Fiscal?

O regime de recuperação é uma adesão e é preciso cumprir pré-requisitos – não só as pré-condições previstas na Lei Complementar 159, que rege o Plano de Recuperação Fiscal, mas também a aprovação de várias leis. É só com esse arcabouço legal aprovado que vamos entregar para o Ministério da Fazenda.

Dito isso, há uma interlocução semanal com o Ministério no sentido de construir os números. A lei determina um waiver [carência] de três anos no serviço de dívida, de tudo em que o Tesouro é contraparte, garantidor ou contragarantidor. O estoque de dívida é de cerca de R$ 100 bi. Começaríamos a pagar no quarto ano e vamos acomodando esses pagamentos em forma de rampa até estabilizar no sexto ano. Preciso provar ao Tesouro que dá para sair de um cenário catastrófico e que somos capazes de construir superávit primário suficiente para estabilizar o pagamento da dívida.

Como estão as contas hoje?

Durante a transição de governo fizemos um diagnóstico mais superficial. Se não fizermos nada, teremos um rombo de cerca de R$ 100 bilhões ao longo dos quatro anos de governo. Começo 2019 com algo em R$ 19 bilhões e chego a R$ 30 bilhões e pouco no último ano. Da soma nominal de cada déficit, 85% é previdenciário. Estamos refinando esse número para seis anos, que é o que prevê a lei que instituiu o Plano de Recuperação Fiscal.

Outra ponta do problema: o custeio. Só de restos a pagar – despesas empenhadas e não pagas no exercício – são R$ 28 bilhões, praticamente 50% da receita corrente líquida. E tem situação de déficit corrente registrado na LOA de R$ 11,4 bilhões, que a gente já entende que na verdade é de R$ 15,4 bilhões, porque houve um otimismo na receita do Estado registrado em LOA. Resumo: eu tenho um passado de R$ 28 bi, déficit corrente em torno de R$ 15,4 bilhões e um problema de pagamento de dívida.

E como é possível equacionar esse déficit em seis anos?

Temos um rol de medidas elencadas na 159. Por exemplo, redução de incentivos fiscais, privatizações – que fazem parte tanto da exigência do plano quanto da proposta política que elegeu o governador. Cemig, Copasa, Gasmig, Codemig são um rol de ativos que certamente farão parte do processo de liquidez. Mas o processo de liquidez por si só não resolve. Seria como vender o carro mas continuar a gastar mais do que se ganha. Precisamos de ajuste fiscal para reduzir esse gap entre receita e despesa.

Nesse sentido, temos redução de incentivos fiscais, implementação de teto de despesas, revisão da carreira dos servidores na medida em que a lei permite, aumento de alíquota de contribuição previdenciária, adequar a legislação previdenciária local frente à federal.

Já apresentamos uma reformulação administrativa à Assembleia que vai gerar R$ 1 bilhão de redução de despesas ao longo dos próximos quatro anos. Estamos saindo de 21 para 12 secretarias, cortando 47% dos cargos comissionados. Precisa passar pela Assembleia.

O quanto as privatizações vão demorar? Estamos falando de um ano ou mais?

Vamos deixar claro: para além do Plano de Recuperação Fiscal – que exige venda de ativos em saneamento, energia e instituições financeiras – o governador já vem com essa proposta política de desinvestimento. Ele está arregimentando executivos para comandar essas empresas nesse sentido. Qual o timing disso? Nós não temos ainda. Precisamos mostrar no Plano de Recuperação Fiscal uma autorização legal para fazer o movimento.

Eu não tenho como avaliar esse timing. Acho que um ano é muito curto prazo, mas não posso te dizer quanto tempo. Precisamos ver qual o melhor modelo, o que tem que ser feito nas estatais para valorar o ativo, se vendemos do jeito que está. Estamos conversando como o BNDES para, se houver um fechamento de um acordo, eles nos auxiliarem na modelagem.

Quem estava em situação pior: Rio ou Minas?

Quando eu cheguei, o Rio estava com quatro meses de salário atrasado. Aqui a gente está nem com um mês de pagamento atraso, estou parcelando o pagamento no mês. Estamos com o 13º atrasado, mas já acertando. Inicialmente, a situação financeira do Estado do Rio era muito mais grave que aqui em Minas.

Mas estruturalmente, Minas está muito pior que o Rio. O grande problema em Minas é que tenho uma despesa de pessoal de quase 80% da minha receita corrente líquida. No Rio, no pior momento isso foi de 73%. O limite máximo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal é de 60%. O problema é que a despesa de pessoal é muito pouco comprimível. A gente infelizmente ultrapassou muito isso e, de acordo com a LRF, tenho dois quadrimestres para acertar essa situação. Estamos tomando ações nesse sentido.

Mas Minas tem muito mais estoque de ativos para vender, não?

Muito mais. No Rio só tínhamos um grande ativo para vender, a Cedae. Aqui tem a Copasa, a Cemig, a Codemig, que é uma joia. E tem a Gasmig, que está debaixo da Cemig. Tem possibilidade de trabalhar a Cemig, criar mais valor para ela.

Faria sentido cindir a Gasmig?

Por enquanto, não vou falar sobre isso. A gente está vendo qual o melhor modelo para Cemig e Gasmig. Faz só 30 dias que a gente está aqui. Você já viu o tamanho da Cemig? É gigantesca!

No ano passado, o governo chegou a ensaiar um IPO da Codemig, que recebe royalties de exploração de nióbio da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). Esse plano ainda está de pé?

A Codemig tem recebíveis valiosíssimos. A gente está revendo a modelagem, mas a ideia é torná-la líquida. Não necessariamente será um IPO. O modelo a gente ainda está vendo, pode ser via venda de recebíveis, alienação…

No Rio, a gente sabe que parte do descumprimento da LRF tem a ver com o fato de o TCE ter sido comprado, houve inclusive conselheiros presos. Como é que Minas chegou nesse ponto sem um alerta do TCE?

Havia um entendimento diferente sobre o que era despesa de pessoal, que divergia da minha visão e da visão do Tesouro Nacional, mas o TCE entendia daquela forma. Isso foi identificado, tanto que a instrução normativa que o TCE publicou mudando essa interpretação é anterior à minha chegada. Não foi com a minha vinda que isso mudou.

No governo anterior, houve uma retenção de repasses do ICMS para os municípios e Fundeb. Isso não é ilegal?

Eu posso falar o que a gente está fazendo. Já acertamos com o Tribunal de Justiça o repasse corrente. O passado gerado vamos começar a pagar a partir do ano que vem. Estamos regularizando.  

E esse passado é de quanto?

Segundo a AMM (Associação Mineira de Municípios), algo próximo a R$ 7,6 bilhões, mas a gente ainda está apurando.

Minas vai conseguir conter os orçamentos do Judiciário e do Legislativo?

Eles têm se mostrado bastante sensíveis em reduzir gastos. Tenho sentido sensibilidade dos outros poderes em relação a isso. Outra vez: isso afeta não o Poder Executivo, afeta o governo do Estado de Minas. É uma coisa da qual fica muito difícil de se alienar. O processo de degradação financeira é muito profundo.  

Um coronel aposentado da PM de Minas ganha quase o mesmo que um desembargador, que por sua vez, ganha o mesmo que um ministro do Supremo. Como vocês vão resolver esses regimes especiais?

O Estado não tem como resolver muita coisa. Isso é decidido no Congresso. Por isso que a Reforma da Previdência é crucial, não só para Minas, como para todos os Estados. Ajuste fiscal sem Reforma da Previdência é paliativo. A Previdência tem uma dinâmica de crescimento que nenhuma receita consegue atender. Você resolve quatro, cinco anos e volta tudo a mesma coisa. Volta até pior, porque a despesa previdenciária é literalmente incomprimível.

Mesmo depois da adesão do Estado do Rio ao regime, a classe política fluminense fez muito corpo mole para fazer o que precisava ser feito. Te surpreende essa alienação da classe política em relação à realidade fiscal?

Isso eu prefiro não comentar. O que eu posso dizer sobre a situação agora em Minas é que o quadro é tão forte e dramático que fica muito difícil não aprovar [as leis e PECs referentes ao Plano de Recuperação Fiscal]. Lembrando que o plano de recuperação é binário: tem que fazer 100% do que está previsto no plano, 99% não dá.