A gestão econômica do Governo Temer inspira cuidados. A equipe é de primeira linha e certamente conseguiria resultados em qualquer outra circunstância.
O problema é no topo: trocamos uma mulher tinhosa que odiava o Congresso por um homem que não abandona o corporativismo por ter sido congressista quase toda sua vida pública.
Temer insiste em honrar as onerosas PECs que herdou e, quando a coisa aperta, cede e compromete o combalido quadro fiscal. Na luta por um maior controle nas estatais, esteve sob pressão e fogo cerrado. O interino tem que aprender a falar grosso. Quando é para salvar seu mandato-tampão ele é hábil e ardiloso com seus confrades de diaconato. Na hora de sacramentar as reformas que interessam, regride ao fisiologismo peemedebista.
Esse mesmo Michel Temer há poucos meses era coordenador político de Dilma Rousseff. Obviamente ele tem cacife para barrar todas as emendas por mais gastos que tramitam no Congresso. Ele não tem que honrar nenhuma medida que possa gerar mais gasto, tendo em vista o quadro fiscal absolutamente calamitoso.
O plano de redução de juros e um centro de meta inflacionária mais calcado numa âncora fiscal merece todo apoio. O espaço para apertar ou afrouxar a politica monetária anda muito apertado e dependente da politica fiscal. O interino tem que dar a cara. Assinar embaixo.
O Brasil tem uma dívida interna explosiva. O custo de rolagem num ambiente de estagflação logo tornará o país insolvente se algo drástico não for feito no campo estrutural. Os juros devem colaborar, mas isso não se obtém com a Montblanc. A cacetada na Selic virá com a desvinculação de receitas e despesas, desindexação (atacar as fajutas também), redução da meta da inflação, reforma séria da Previdência, fim de preços administrados e meias entradas como auxílio-moradia e similares. Isso no mínimo.
Se o governo parar com a indexação branca, a sociedade será forçada a segui-lo. Temer não pode se iludir achando que está tudo bem. A bomba-relógio continua seu tic-tac para cada minuto de inércia e falta de atitude. Ele tem que conversar e convencer o baixo clero sobre a necessidade de tornar o Estado viável e solvente.
Para muita gente, o interino não pode ousar antes que o impeachment seja votado. Mas a volta de Dilma Rousseff é um acontecimento tão impensável — de consequências tão devastadoras — que nem um País surreal como o Brasil comportaria este desdobramento.
O desafio de Temer lembra um encontro entre Boris Yeltsin e John Major, à época primeiro-ministro britânico, testemunhado por James Wolfensohn, então presidente do Banco Mundial. Major pediu a Yeltsin para definir a situação da economia russa em uma palavra. Yeltsin disse: “boa”.
Wolfensohn e Major se entreolharam surpresos. Sabiam que a situação era caótica e queriam um quadro mais realista do russo, famoso por sua instabilidade. Major perguntou então se ele poderia descrever a situação em duas palavras. Yeltsin retrucou: “nada boa”.
Fernando Carneiro é cientista político e mestre em finanças pela Universidade de Maryland. Em breve lançará ‘Sociedade Anônima’, uma coletânea de posts sobre economia.