Michael Lewis, o célebre jornalista que escreveu os livros que deram origem aos filmes A Grande Aposta e Moneyball, acreditou que tinha encontrado o personagem certo em Sam Bankman-Fried para contar a revolução do mercado de criptomoedas.

Sam tinha um carisma improvável. Vestia-se sem nenhum apreço pelos códigos sociais, sempre com meias gastas, shorts cargo e camiseta. Era um multibilionário que dirigia um Corolla, vegano, um gênio da matemática que prometia doar toda sua fortuna.

Antes dos 30, havia criado a FTX, uma corretora de criptomoedas internacional na qual fundos como o Sequoia faziam fila para investir.

FTXAinda sem versão em português, Going Infinite – The Rise and Fall of a New Tycoon (261 págs, W.W. Norton) narra a jornada de Sam — da fortuna de US$ 32 bilhões à bancarrota. No início de 2022, o jornalista teve acesso quase total ao QG da empresa nas Bahamas. De lá pôde ver o caos da gestão da companhia e a rapidez com a qual ela desabou quando foi atingida por uma corrida de saques em outubro daquele ano.

A queda emulou a própria volatilidade do mercado de criptomoedas, e nem os cabelos bagunçados e o velho Corolla foram capazes de salvar Sam do papel de vilão. Antes celebrado nas capas da Forbes e da Fortune, o criador da FTX se tornou um pária, passando a ser visto como um golpista que sumiu com US$ 8 bilhões de fundos depositados pelos clientes.

A inversão dramática do protagonista não colaborou com o livro de Lewis, que manteve um tom simpático ao personagem cujo caso está sendo julgado nos Estados Unidos. Talvez tenha turbinado o preço dos direitos autorais da obra: a Apple pagou US$ 5 milhões enquanto ainda estava sendo escrito, segundo o site The Ankler.

No livro, a infância e a adolescência de Sam são tão desinteressantes que o autor se esforça para garimpar anedotas. É só um menino estranho, sem amigos e sem grandes interesses fora matemática e jogos de RPG. Nem o irmão é capaz de contar algo relevante, já que os dois eram como estranhos no mesmo lar.

Lewis superdimensiona os pontos a favor de Sam e dilui os contrapontos. Ele retrata Sam com a pureza de alguém que não foi envolvido pelos vícios do dinheiro. Mas, exceto na maneira como ele se veste, os mecanismos de ostentação estão todos lá: jatos privados, encontros com políticos, Gisele e Tom Brady como garotos-propaganda e painéis com Bill Clinton e Tony Blair.

Até alguns erros um pouco mais técnicos escapam pelas frestas da obra: Lewis classifica uma criptomoeda chamada Solana como criada para ser rival do Bitcoin. Não é preciso ser nenhum grande especialista para saber que a Solana nunca foi páreo para o Bitcoin. (Na verdade, a Solana é uma cripto criada para competir com o Ethereum.)

Going Infinite deveria ser uma narrativa romântica sobre a criação de uma empresa monstruosa por jovens inexperientes comandados por um Didi Mocó da gestão. Com uma administração atrapalhada, Sam de fato parecia estar subvertendo todos os playbooks empresariais — e vencendo.

A FTX não tinha um organograma, os cargos não faziam sentido dentro da estrutura, as contas eram aprovadas com emojis, os sistemas de organização eram primários… e o CEO jogava videogame durante as reuniões.

O autor achou que pegaria carona no sucesso da jornada de um tycoon de uma nova tecnologia que nasceu para subverter o mercado financeiro. Seria a analogia perfeita. A verdade, porém, é que por trás da aparência anárquica e amadora, os atos de Sam foram considerados criminosos pela Justiça americana na última quinta-feira.

O livro foi lançado no dia em que seu julgamento começou. Em seus depoimentos, as testemunhas relataram que o criador da FTX usava o dinheiro dos clientes de maneira deliberada para comprar políticos, celebridades e credibilidade.

Lewis nunca escreveu sobre fracassados ou criminosos. Sua arte é encontrar semi-anônimos no mundo dos negócios e mostrar como se tornaram heróis improváveis dentro de um sistema que os renega, mas do qual fazem parte. Ignoram o que é convencional — e vencem.

A realidade forçou a mudança da narrativa do protagonista de Going Infinite, mas o autor pouco retrata sua queda. Lewis mantém a imagem de Sam apenas como uma criança grande, com pouca responsabilidade sobre os próprios atos. A realidade, contudo, mostrou a semelhança com outro personagem célebre: um Bernard Madoff que fez a festa com o dinheiro dos outros.

Cláudio Goldberg Rabin é o cofundador e ex-diretor do Portal do Bitcoin.