Rita Lee — cujas letras poéticas refletiram sobre as várias formas de amor, as dores e o prazer dos relacionamentos, e cujas músicas marcaram gerações de brasileiros desde os anos 60, sempre expandindo os limites dos costumes da época — morreu hoje depois de uma longa luta contra o câncer.

Ela tinha 75 anos.

Desde sua estreia nos palcos como membro fundador dos Mutantes, Rita se tornou um ícone da MPB – a gringa descolada que falava abertamente de sexo, maconha, feminismo – e, em seu outono, nos últimos anos, continuou sendo amada como uma tia doidona, a mãezona vanguardista de um País careta, agora desoladamente órfão.

Em março, Rita anunciou que lançaria o livro Outra Autobiografia, uma espécie de apêndice à sua biografia anterior, desta vez falando sobre sua luta contra a doença nos últimos três anos.

“Quando decidi escrever Rita Lee: uma autobiografia (2016), o livro marcava, de certo modo, uma despedida da persona ritalee, aquela dos palcos, uma vez que tinha me aposentado dos shows,” Rita escreveu. “Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vidinha besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos e acha que sabe de alguma coisa, Deus dá uma risadinha sarcástica”.

A obra chega às prateleiras em 22 de maio – dia de Santa Rita de Cássia.

Rita Lee Jones nasceu em São Paulo em 31 de dezembro de 1947, filha de Charles Fenley Jones, um paulista de Santa Bárbara D’Oeste descendente de americanos, e Romilda Padula.

Em algum momento de sua carreira, Rita ganhou o epíteto de “a rainha do rock”. O termo, no entanto, nunca fez justiça à variedade de estilos que compuseram seu histórico artístico.

Rita foi tão rock quanto pop, tão new wave quanto MPB, tão tropicalista quanto punk.

Os primeiros passos na música foram através do piano erudito, quando teve aulas com a lendária Magdalena Tagliaferro. Em 1963, criou o grupo vocal feminino Teenage Singers, que mais tarde se uniria aos rapazes do Wooden Faces. Os dois foram rebatizados como Os Seis – uma brincadeira com o jeito caipira de falar ocêis. O conjunto passou por uma debandada geral, sobrando apenas Rita e os irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista. Nascia ali Os Mutantes.

Rita, Arnaldo e Sérgio combinavam melodias inspiradas nos Beatles com música regional e experimentos sonoros – que incluíam até uma bomba de dedetização na música Le Premier Bonheur du Jour.

A cantora fazia então um contraponto doce e humorístico ao virtuosismo do tecladista e baixista Arnaldo e do guitarrista Sérgio.

Em 1972, Rita foi demitida dos Mutantes e se uniu à guitarrista Lucia Turnbull no duo As Cilibridas do Éden, e depois ao grupo Tutti Frutti por onde lançou alguns dos principais discos do rock brasileiro – Fruto Proibido, de 1975, que contém o sucesso Ovelha Negra, e Entradas & Bandeiras, lançado no ano seguinte, que traz a animada Corista de Rock.

Rita era então uma simbiose tropical de Mick Jagger e David Bowie, apoiada pela guitarra raivosa de Luiz Carlini e pelo baixo pulsante de Lee Marcucci. Em 1976, conheceu o tecladista e guitarrista Roberto de Carvalho, com quem passa a namorar e comanda a virada da cantora rumo ao sucesso popular.

Rita Lee/Roberto de Carvalho passou a ser uma grife tão respeitada quanto Michael Sullivan/Paulo Massadas ou Roberto Carlos/Erasmo Carlos.

Os elementos pop acrescidos por Roberto – com a ajuda do produtor Guto Graça Mello – a transformaram de ícone da era em que “roqueiro brasileiro tinha cara de bandido” em uma cantora de sucesso nas rádios FM e de sucesso popular – Mania de Você, Lança Perfume, Saúde, Flagra, Baila Comigo e Vírus do Amor estão entre alguns dos principais sucessos do período.

Tempos depois Rita (sem Roberto) se reinventaria novamente com o show Bossa’n’Roll, no qual interpretou clássicos de sua carreira e releituras de sucessos internacionais em ritmo de bossa nova.

O gênero eternizado por João Gilberto e Tom Jobim faria parte de outro projeto seu, Aqui, Ali, Em Qualquer Lugar (2001), onde tocou músicas dos Beatles em versões banquinho e violão.

Com o passar do tempo, os discos e as apresentações ao vivo rarearam. Reza, seu último álbum de inéditas, foi lançado em 2012. No ano seguinte, ela faria uma apresentação no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, durante a comemoração do aniversário da cidade.

Rita Lee foi casada de papel passado com Arnaldo Dias Baptista de 1968 a 1972. Tempos depois, rasgou a certidão de casamento ao vivo no programa da apresentadora Hebe Camargo.

Em 1976, uniu-se a Roberto de Carvalho, com quem se casou oficialmente apenas duas décadas depois, em 1996. Numa entrevista conjunta ao Estado de S. Paulo, Rita questionou o porquê dele ser tão apaixonado.

O diálogo que se seguiu é a verdadeira fórmula amor:

Rita: “Como você me aguenta há 44 anos? Confissão: sou uma mulher esquisita, ex-presidiária, ex-AA (Alcoólicos Anônimos), ex-NA (Narcóticos Anônimos), não sei cozinhar, sou cinco anos mais velha, sem peito, sem bunda e fumante.”

Roberto: “Sou teleguiado pela paixonite há 44 anos, espero que tenhamos pelo menos mais 44 anos pela frente. Só consigo visualizar a antítese do que está nesta confissão. Quando você se declara ‘esquisita’, eu vejo original e genial. Ex-presidiária por injustiça, vítima da repressão. Não precisa cozinhar, eu cozinho pra você. Esses seus peitos amamentaram nossos três filhos. ‘Cinco anos mais velha’, não: mais ‘antiga’, e você sabe o quanto eu adoro antiguidades. E quanto aos AA e NA, well, “shit happens to everyone!”

Rita deixa o marido (que ela preferia chamar de “namorado”) e os filhos Beto, Antonio e João.