Morreram Quincy Jones.
Sim, “morreram,” porque Quincy Delight Jones Jr., que nasceu em Chicago em 14 de março de 1933, abraçou diversos estilos e discursos ao longo de uma carreira que refletiu e definiu a música do século XX.
Jones incursionou pelo universo do jazz ao trabalhar como arranjador nos grupos de Lionel Hampton e Count Basie, além de liderar a orquestra de Frank Sinatra. Foi autor de trilhas celebradas, como as de O Homem do Prego (1964), na qual o jazz traduz a dor de Sol Nazerman, um sobrevivente do Holocausto dono de uma loja de penhores em Nova York, ou o funk de They Call Me Mr. Tibbs (1972), a continuação das aventuras do oficial da lei vivido por Sidney Poitier.
Pesquisou diferentes formatos de música popular: do pop inocente da cantora Lesley Gore em It’s My Party (1963), às canções radiofônicas do guitarrista George Benson e o duo de músicos de estúdio The Brothers Johnson. Ah, sim: ele e um tal Michael Jackson são os responsáveis por Thriller (1982), o disco mais vendido em todos os tempos.
Como se não bastasse, Jones tem ainda uma discografia respeitável (meu predileto é The Dude, de 1981, que traz o sucesso Ai no Corrida) e produziu programas de TV como The Fresh Prince of Bel Air – de onde saiu Will Smith – e MadTV, além de ter criado a Vibe, a revista que ajudou a sacramentar a soul music e o hip hop do início dos anos 1990.
A luta de Jones pelo empoderamento da comunidade afro-americana, contudo, talvez tenha sido tão importante quanto sua enorme contribuição ao universo da música. Jones sempre esteve ao lado de causas humanitárias ou socorreu parceiros de música prejudicados por questões raciais.
Em 1971, peitou a Academia de Artes Cinematográficas quando seus responsáveis criaram uma desculpa para não incluir o tema de Shaft, de Isaac Hayes, como candidato ao Oscar de Melhor Canção e Trilha Sonora – e ganhou a briga.
Seu carisma foi fundamental para reunir uma multidão de estrelas – de Michael Jackson, Lionel Richie e Stevie Wonder a Willie Nelson, Bruce Springsteen e Bob Dylan – para a gravação épica de We Are the World. O álbum foi feito para apoiar o USA For Africa, um trabalho humanitário para estancar a fome naquele continente.
E quando as provocações entre os rappers da Costa Leste e da Califórnia desembocaram nas mortes de 2Pac Shakur e Notorious B.I.G., foi Jones, através do editorial da Vibe, que pediu um basta à violência.
Jones seguiu como poucos o conselho da sua professora de música Nadia Boulanger – mestre também de Igor Stravinsky e Leonard Bernstein, entre outros – que dizia que sua música jamais poderia ser menos do que ele era como ser humano.
Quincy Delight Jones Jr. nasceu e cresceu na zona sul de Chicago, uma região desassistida da cidade. Seu primeiro instrumento foi o trompete, mas ainda na adolescência deu seus primeiros passos como arranjador – mesmo período em que se encantou com um pianista chamado Ray Charles.
Jones estudou na Universidade de Seattle (para onde sua família havia se mudado) e depois mudou para o Berklee College of Music, em Boston. Não chegou a se graduar. Caiu na estrada ao lado do vibrafonista Lionel Hampton – trabalhando como trompetista, pianista e arranjador – e criou arranjos para grandes nomes do jazz como Dinah Washington, Sarah Vaughan, Count Basie e Duke Ellington.
Nos anos 50 e 60, Jones trabalhou como arranjador para Frank Sinatra. Um de seus feitos foi Sinatra at the Sands, um disco ao vivo de 1966 no qual o cantor trabalhou ao lado do maestro Count Basie. Em 1961, Jones assumiu o cargo de vice-presidente da Mercury Records, onde atuou em trilhas sonoras e na produção de artistas pop. Catorze anos depois, criou a QWest Productions, por onde lançou discos dos mais diversos artistas do jazz e pop mundiais.
Um dos trabalhos de Jones naquele período foi a trilha sonora de The Wiz – O Mágico Inesquecível, uma versão black music da história do Mágico de Oz. Um dos atores da produção era Michael Jackson, que buscava uma sonoridade que o distanciasse do grupo que tinha com seus irmãos, o Jackson 5 (renomeado depois para The Jacksons).
Foi uma das tabelas mais sucedidas da história, ao lado de Pelé e Coutinho. Jones e Jackson criaram um novo formato para o pop, com os discos Off the Wall (1979) e Thriller (1982) – e Bad, de 1987, mas esse não conta muito. No mesmo período, deu uma guinada pop no trabalho do guitarrista George Benson com o clássico Give me the Night, de 1980.
Amante da música brasileira, Jones se aventurou pelo gênero com Soul Bossa Nova, de 1962, depois eternizado na trilha da série cinematográfica Austin Powers. Era amigo de Milton Nascimento e trabalhou prolificamente com o percussionista Paulinho da Costa e com a dupla Ivan Lins e Vitor Martins. O primeiro, presença em 90% dos discos de sucesso feitos nos Estados Unidos, toca em Off the Wall e Thriller.
Jones também foi um dos principais divulgadores da música de Ivan Lins. Gravou Setembro (rebatizada como Brazilian Wedding Song) e Velas, e por pouco não colocou Novo Tempo em Thriller. Segundo Ivan Lins, o contrato seria desvantajoso para ele e para o letrista Vitor Martins.