Marcos Azambuja, que coordenou a Rio-92 e representou o Brasil em duas embaixadas ao longo de uma carreira diplomática de sete décadas, morreu na quarta-feira, aos 91 anos.
Em muitos aspectos, sua trajetória profissional consolidou o DNA da diplomacia brasileira, uma paixão pela moderação, e acresceu a ela um bom humor notável.
Dono de um intelecto aguçado e eloquência singular, Azambuja também encantava pela retórica, frequentemente uma metralhadora de figuras de linguagem extremamente eficazes.
“Era uma pessoa com uma combinação muito rara,” disse Pedro Malan, o ex-Ministro da Fazenda e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). “Tinha uma fulgurante inteligência, um inigualável sentido de humor, e uma experiência e um interesse sobre tudo que estava acontecendo.”
O embaixador era um dos pilares do CEBRI, envolvendo-se em todas as conferências e debates e acompanhando de perto as obras para a nova sede da instituição. “Foi um mentor, uma espécie de guia, sobretudo nestes últimos dez anos. Orientava e dava diretrizes importantes sobre as grandes questões, diplomacia e navegação política,” disse Julia Dias Leite, a diretora-presidente do instituto.
A experiência de Azambuja na defesa dos interesses brasileiros lhe deu uma ampla visão dos temas políticos e econômicos, contatos de alto nível e um conhecimento profundo de matérias sensíveis e complexas.
“Esse conjunto explica sua visão de mundo e percepções sobre os cenários geopolíticos,” disse o embaixador Rubens Barbosa.
Sua clareza e profundidade intelectual, em geral acompanhadas de muito afeto pelo interlocutor, criavam vínculos com pessoas e audiências. E essa ligação se cristalizava ainda mais a cada tirada de bom humor; dono de um tirocínio notável, Azambuja era capaz de perceber o momento, as nuances do diálogo e as intenções do interlocutor.
Ao contrário do que se poderia supor, não foi a vocação que levou Azambuja à carreira diplomática. Foi a falta dela.
“Minha opção pela carreira veio por ausência de outra opção caracterizada. Eu era uma dessas pessoas que tinha uma aptidão difusa mas nenhuma vocação específica,” disse em entrevista ao CPDOC/FGV. Na mesma conversa, reconhecia depois que a carreira diplomática despertava “uma certa curiosidade intelectual, um certo cosmopolitismo, um certo interesse”.
Marcos Castrioto Azambuja nasceu em 9 de fevereiro de 1935 no Rio de Janeiro. Ingressou no Instituto Rio Branco aos 21 anos e chegou à segunda posição hierárquica no Ministério das Relações Exteriores (1990 e 1992), como Secretário-Geral.
Chefiou a Delegação do Brasil para Desarmamento e Direitos Humanos em Genebra (1989-1990) e foi embaixador na Argentina (1992-1997) e na França (1997-2003), além de coordenar a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92.
Chanceler durante aquele ano, o embaixador Celso Lafer convocou um grupo de diplomatas brasileiros e os designou para diferentes funções ligadas à conferência. “O trabalho do Marcos foi coordenar isso tudo. E ele fez com muita sabedoria, com muita habilidade. Era uma pessoa que tinha esse dom de conseguir que houvesse consenso, fazer as pessoas chegarem a um acordo”, relembra o ex-ministro Rubens Ricupero, que atuou pela comissão da ONU para finanças.
A visão de Brasil expressa por Azambuja é atemporal, como se depreende de uma série de frases suas.
Diplomacia é algo que se faz olhando para frente, para o retrovisor — mas também ao redor.
O País tem dez vizinhos e longa trajetória de relações regionais. Todo cuidado é pouco com atrelamentos excessivos.
O Brasil tem vocação multilateralista e não dispõe de poder para agir isoladamente. O risco de ignorar isso é o país acabar falando sozinho.
E talvez a melhor de todas: É fácil falar sobre o Brasil. Tudo que for dito é verdade.
Azambuja foi casado com Malu Pedrosa Azambuja, com quem teve dois filhos, Pedro e Rodrigo. Casou-se pela segunda vez com Ana Maria Ribas Azambuja e pela terceira vez com Liliane Azambuja. Além dos dois filhos, deixa quatro netos.