Nem todo mundo nasce sabendo qual será sua missão. Mas há casos raros em que a vocação se impõe cedo – e de forma definitiva.
Olavo Sérgio Campos, o Kafunga, parecia já carregar o Colégio Santo Antônio em seu destino.
Estudou no CSA – talvez o melhor colégio de Belo Horizonte – durante a década de 60 e depois fez Medicina na UFMG.
Poderia ter seguido a carreira dos sonhos da tradicional família mineira – hospitais, consultórios, estabilidade – mas escolheu outro tipo de cura, aquela que acontece longe dos holofotes, no espaço silencioso da educação.
Ainda antes de se formar, Kafunga já havia decidido se dedicar à construção e perpetuação do legado do colégio, que hoje soma 116 anos de história.
Foi aluno, treinador do time de futsal, professor, coordenador geral. Mas mais do que os cargos, foi presença marcante na vida de milhares de alunos, inclusive na minha. Eu sou quem sou graças ao Colégio, e o Colégio é o que é graças a ele.
Para Kafunga, a escola não era lugar de passagem. Era destino. Casa. Missão.
Educar, empoderar os alunos, cultivar valores e ver pessoas alcançarem seu potencial não era seu trabalho. Era sua vida, literalmente.
Gerações de alunos tiveram a sorte de ser formados por uma instituição liderada por um cara que acreditava nela com tanta intensidade.
O legado de Kafunga não está apenas nas inúmeras conquistas do Santo Antônio, que só nesta década ficou em primeiro lugar no ENEM em 2020, 2022, 2023 e 2024.
Ele está, sobretudo, nos valores franciscanos que Kafunga transmitia mesmo sem ser um religioso, e na humanidade que inspirava todos os dias.
A última mensagem que recebi de Kafunga foi singela, mas diz muito sobre ele: “Boa noite. Vi a divulgação do aniversário da sua escola. Parabéns a vocês por acreditarem na capacidade das pessoas, na inovação, na criatividade. Abraços.”
Este era o homem: atento, generoso, e interessado na educação como potência transformadora.
Em um país onde educadores (às vezes) são lembrados em homenagens póstumas, Kafunga foi celebrado em vida.
“Lembro dele como professor de biologia e dentro de sala de aula nos alertando sobre o consumo de drogas,” lembra Rafael Portugal. “Ele dizia que as campanhas antidrogas eram erradas pois diziam que drogas eram ruins. Ele falava: ‘droga é bom, é ótimo… se não fosse, ninguém consumia. Mas não experimentem, pois vicia e aí acaba com a saúde, com a pessoa e mesmo com as relações familiares e amizades.’”
Num Carnaval em Ouro Preto, Kafunga ficou na mesma casa com cerca de 20 ex-alunos e levou um isopor com glicose e seringas.
“Quando vi aquilo perguntei para que era, e ele falou: ‘Eu vou tomar conta de vocês. Se alguém beber demais, passar do limite e precisar, eu estou aqui pronto.’”
Foi técnico de futsal, “motorista”, contador de piadas, alvo de brincadeiras, médico, “pai”, e acima de tudo, professor.
“Em alguns momentos discordei, não entendi, me senti injustiçado – mas aprendi a respeitá-lo. Mais um ensinamento que ele nos deixa: nem só de ‘sim’ é a vida.”
Foi um guia para incontáveis alunos – mas cada um tinha certeza de que era especial para ele. Sabia o nome de cada um. “Ele mudou minha vida com um puxão de orelha que carrego até hoje,” diz um ex-aluno.
Um dia Kafunga recebeu em sua sala André Galvão, um ex-aluno que foi vê-lo vestido no uniforme de outro colégio. “Ele me disse que já sabia que eu ia voltar, porque eu era ‘a cara do Santo Antônio,’” disse Galvão. “Sem ele eu não teria a formação e os valores do colégio que tanto amo.”
Hoje Kafunga partiu, mas sua presença permanece em cada lembrança, nos gestos generosos e em cada vida tocada.
A despedida será amanhã, das 8 às 15 horas na capela do Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte. O sepultamento será às 15:30 no Cemitério do Bonfim.
Matheus Goyas é ex-aluno do Colégio Santo Antônio.