José Alberto de Camargo, que liderou a maior empresa de nióbio do mundo durante três décadas e colocou o Brasil em destaque na tecnologia de materiais, morreu na quinta-feira, vítima de complicações decorrentes de pneumonia.

Ele tinha 91 anos.

Filho de um diretor do Banco Moreira Salles, o economista iniciou sua carreira na Carbocloro, onde chegou à diretoria financeira aos 27 anos.  Em 1974, aos 39 anos, tornou-se diretor-geral da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) a convite do Embaixador Walther Moreira Salles, e permaneceu no comando até 2005. Quando saiu do cargo, serviu no conselho até 2016.

Seguindo os passos de seu pai, Camargo também foi vice-presidente da Fazenda Bodoquena, a sociedade dos Moreira Salles com os Rockefeller, entre 1966 e 1980. 

Dr. Camargo, como todos os chamavam, conquistou o título pelo respeito que todos lhe dispensavam. Um verdadeiro “doutor honoris causa” por sua contribuição ao desenvolvimento da tecnologia do nióbio, foi laureado em vários países por sua incansável promoção do Elemento 41 da Tabela Periódica como uma solução sustentável com ciência aplicada.

Camargo soube conciliar isso com expansão comercial: desbravou a Europa e a Ásia na década de 70 e a América do Norte em seguida, vencendo as barreiras culturais, idiomáticas e de telecomunicações típicas da época.

Os veículos leves hoje são mais seguros pela aplicação de nióbio em suas carrocerias.  As pontes são mais leves e duráveis.  Os dutos são mais resilientes à pressão e às intempéries climáticas. Há mais eficiência e segurança para elevadores, turbinas aeronáuticas, ligas aeroespaciais e construções com estruturas metálicas.

Não é exagero dizer que o Dr. Camargo transformou o mundo graças à sua liderança e capacidade ímpar de execução na CBMM. Foi um dos primeiros líderes empresariais a conectar sensibilidade social, respeito ao meio ambiente e disciplina financeira.

Na parte social, promoveu habitação, educação, saúde, aposentadoria digna através de um fundo de pensão privado criado em 1992, e transformou famílias que não tinham educação formal em gerações de engenheiros, mestres, doutores e pós-doutores.

Foi um promotor da segurança alimentar e contribuiu enormemente com o Programa Fome Zero, que ajudou a conceber com seu amigo Luiz Inácio Lula da Silva (que foi hóspede da Casa de Hóspedes da CBMM logo após sua eleição em 2002).

Na parte ambiental, foi inovador ao promover a recirculação de água em um complexo industrial com níveis superiores a 90%.

Camargo tinha obsessão por conservação e paisagismo — os jardins da CBMM em Araxá são um ponto turístico à parte – e investiu pesadamente na preservação do lobo-guará, em respeito ao cerrado brasileiro, mobilizando recursos e pessoas para que vários exemplares fossem doados a zoológicos do mundo inteiro.

Era um administrador disciplinado, que zelava pela conformidade das demonstrações financeiras, exigindo prazos de fechamento arrojados para a tecnologia da época. A CBMM era sempre uma das primeiras empresas a concluir sua auditoria do exercício, e mantém este rigor até hoje.  

Dr. Camargo escreveu vários livros – sobre nióbio, câncer, saúde mental, suas vivências na China, dentre outros  – e era um exímio contador de histórias, além de ter grande senso de humor.

Nossa amizade começou em 2011, quando me tornei diretor financeiro da CBMM e ele, membro do conselho.  Generoso, me acolheu com orientações valiosas para um jovem contador que queria “mostrar serviço”.

No livro Memórias de um Vendedor de Nióbio, Fernando Moreira Salles – amigo de Camargo por 50 anos – diz no prefácio que “(Dr. Camargo) gostaria de partilhar a glória dessas realizações com todos aqueles que podem assegurar que os próximos 30 anos sejam semelhantes – ou ainda melhores – aos 30 que se passaram.”

Eu sou uma das testemunhas de que, quase 20 anos depois do fim do mandato do Dr. Camargo, a CBMM continua ousada, responsável e inovadora – tudo graças a seu legado.

Pessoas como Camargo são imortais: continuarão vivendo nas histórias, nos conselhos, nas lembranças e lições de vanguarda empresarial.

Dr. Camargo deixa sua mulher Simone – seu anjo protetor e cuidadoso – três filhos, netos, uma legião de amigos e admiradores, e incontáveis exemplos de generosidade.

Carlos Alberto Moura é CEO da Manserv Investimentos e Participações e foi diretor financeiro da CBMM.