Alguns artistas pintam com o instinto. Outros, com a razão.
Marina Simão faz os dois.
Aos 43 anos, a mineira já é representada pela Mendes Wood e pela Pace Gallery, e suas obras integram coleções de diversas instituições pelo mundo, incluindo museus na Ásia.
Agora, o Instituto Tomie Ohtake traz a mostra Diapasão, com cerca de 80 pinturas, aquarelas e cadernos de estudo de Marina. O título da exposição, escolhido pelo curador Paulo Miyada, se refere ao instrumento de afinação — o diapasão — comparando-o às pinturas de Marina, que afinam nossa percepção de espaço, cor e matéria.
“É um exercício de afinação constante, feito de queda e recomeço, onde o instinto encontra a cabeça e a pintura, enfim, se revela,” Miyada escreve no texto de abertura sobre o processo de Marina.
A pintora se inspira na natureza, mas suas obras não têm céu nem terra, nem mar nem floresta; interior e exterior se confundem, e as formas escapam a qualquer definição concreta.
Sua pintura está longe de ser minimalista, muito pelo contrário: o gesto de Marina é grandioso e radical. Começa e termina sem hesitação. Há um ritmo musical em que harmonia e movimento regem o desenho.
“Quando eu começo uma tela, já desenhei a imagem tantas vezes que sei exatamente o que fazer. Pareço um animal. Eu ataco a tela. Acho que fica mais vibrante dessa forma,” ela disse num livro sobre sua obra.
As pinturas, sobretudo as de grande escala, costumam deixar o espectador entre o espanto e o maravilhamento — como se fossem portais para um universo paralelo.
Quando criança, Marina gostava de desenhar e fez vários cursos. Sua mãe pintava, e seu pai lhe estimulava o lado criativo; além de adorar escrever, estudou música e dança. Apesar da veia artística, decidiu cursar Direito em Minas Gerais.
Entre as aulas de processo civil e penal, ingressou na Escola Guignard sob a orientação da também artista — e hoje colega de galeria — Solange Pessoa. Em uma viagem a Paris para visitar amigos do curso de Direito, encantou-se pela École des Beaux‑Arts e teve a certeza de que era ali que queria estar.
Os desafios eram inúmeros: estava no limite de idade aceito pelo curso, não dominava a língua e enfrentaria concorrência feroz. Apesar disso, foi aceita.
Em Paris conheceu o também mineiro Pedro Mendes, então estudante de história da arte. A dinâmica da École previa a prática em ateliê com um artista experiente orientando os alunos. Pedro, fascinado por visitar ateliês, se encantou com o que via Marina produzir. O hoje sócio da Mendes Wood, que ainda não pensava em ser galerista, sugeriu a um amigo de Minas expor os desenhos de Marina. Venderam tudo.
Pedro Mendes tornou‑se marchand solo e, depois, ao lado de Matthew Wood e Felipe Dmab, fundou a Mendes Wood, hoje uma das galerias brasileiras de maior projeção internacional.
Foi uma fase de expansão: a artista ganhou representação e um apoio raro para quem busca criar sem pressão comercial.
A aproximação com um curador francês — então diretor do Musée d’art moderne et contemporain de Saint‑Étienne, que tem uma das maiores coleções de desenho da França — abriu portas: convites para exposições coletivas, incluindo a Bienal da Polônia, e inserção no circuito europeu. Nesse começo de estudo formal e de carreira, Marina ainda não dominava a cor; seu trabalho era fortemente voltado ao desenho, testando materiais e a exploração da superfície.
De volta ao Brasil em 2012, depois de oito anos na França e já representada pela Mendes Wood, Marina decidiu se afastar do mercado para refletir sobre sua prática artística.
Foram quase seis anos no ateliê enfrentando de frente seu maior desafio: a cor.
A sedução foi gradual e natural, uma demanda do próprio trabalho. O amigo galerista dizia que era hora de ela se jogar no abismo. Marina lembra que sentia medo do que encontraria nessa jornada; o mergulho é difícil para todo artista, ainda que seja a única alternativa para a fiel tradução do pensamento artístico.
A dedicação valeu a pena. Em 2019, sua pintura ressurge magnífica e cheia de vitalidade, repercutindo internacionalmente, e hoje ela é tida por muitos como a maior colorista de sua geração.
“As pessoas acham que a minha pintura é fácil e rápida, como uma explosão, o que não é verdade. Envolve muito preparo, estudo, desenhos e ensaios,” disse Marina. “Tem que parecer fluido é automático; eu quero que as pessoas sintam que é natural e acessível, por isso o resultado tem que ser generoso. Chegar nesse ponto não é um caminho em linha reta.”