O Governo concluiu um projeto para aperfeiçoar o crédito consignado para os trabalhadores do setor privado.

A iniciativa, que deve ser apresentada nas próximas semanas, é uma das principais medidas dentro do conjunto de ações destinadas a reduzir o custo do crédito pessoal, onde existe uma maior dificuldade na diminuição dos spreads bancários.

“Hoje o spread mais elevado está nos empréstimos para pessoas físicas,” Marcos Pinto, o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, disse ao Brazil Journal. “Nossa meta é cortar esse spread pela metade.”

Outra ideia em análise é a utilização do fluxo de pagamentos recebidos pelo Pix como garantia em financiamentos de micro e pequenas empresas.

“Tem muita coisa ainda para fazer nessa área de custo de crédito, uma agenda bem cheia para os próximos dois anos,” afirmou o secretário. “O caminho é aprimorar as garantias.”

Nesta segunda parte da entrevista, Marcos fala sobre as prioridades da agenda de reformas microeconômicas –  entre elas o programa Pé-de-Meia e a reformulação da Lei de Falências – e comenta os excessos no mercado de crédito.

O mercado de capitais não pendeu demasiadamente para o lado do crédito? Não houve exagero nos incentivos aos títulos isentos? Segundo alguns gestores, as emissões privadas podem até dificultar a rolagem da dívida pública porque disputam capital com o Tesouro.

Temos de fato um volume muito grande de títulos isentos, e isso está distorcendo o funcionamento do mercado.

Já fizemos uma boa parada de arrumação no começo do ano, mas esse impacto vai ser sentido ao longo do tempo. O volume de emissões de LCIs e LCAs, por exemplo, já está caindo mais de 50% no ano.

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No longo prazo, precisamos usar cada vez menos esses títulos incentivados e deixar o mercado funcionar, sem direcionar crédito para este setor ou aquele.

Dito isso, o crescimento do mercado de capitais está acontecendo não só nesses títulos incentivados. Vemos o mercado de renda fixa

 como um todo crescendo muito e baixando spreads. Acho saudável. 

Eventualmente, se houver exagero, o mercado tem a condição de se corrigir e voltar para a racionalidade.

Das novas reformas microeconômicas apresentadas recentemente, quais deverão trazer um maior impacto para o crescimento da economia?

Um dos projetos de que eu mais me orgulho de ter participado é o Pé-de-Meia. Terá um impacto muito grande.

Assim como me orgulho de ter participado na elaboração do Prouni, num trabalho pro bono que fiz quando Fernando Haddad era ministro da Educação. 

Há hoje 4 milhões de trabalhadores com ensino superior que fizeram parte do programa.

O Pé-de-Meia vai ter um impacto semelhante. De cada dez crianças brasileiras, quatro vivem em famílias pobres e, dessas quatro, somente duas completam o ensino médio.

O programa para retenção no ensino médio dá uma bolsa para esse aluno pobre continuar na escola. Cria uma poupança, com R$ 1.000 para cada ano de estudo dele no ensino médio. Ele só pode sacar quando concluir o curso.

Com base em experiências similares, na Colômbia e no Rio de Janeiro, esperamos uma redução de um terço na evasão. Só isso já assegura 1% do PIB de crescimento no longo prazo, como mostra um estudo do Ricardo Paes de Barros.

Outra reforma que terá grande impacto é a tributária. O FMI estimou que vamos ganhar de 6% a 10% do PIB. Poderemos ser 10% mais ricos. É muita coisa.

Para quem duvida do número, cito apenas um exemplo. Hoje tributamos o investimento em capital físico – e com alíquotas altíssimas – por causa da incidência direta e indireta de impostos que não dão direito a créditos tributários.

Além do custo de capital, portanto, há o peso da tributação. Com essas duas variáveis, fica difícil investir no Brasil.

E na área de crédito, quais as iniciativas para reduzir o spread?

Já aprovamos o marco das garantias, simplificamos o processo de emissão de debêntures, mudamos as regras dos títulos isentos, colocamos os fundos de previdência como garantia. Temos sete outros projetos de leis estruturais tramitando no Congresso.

Estamos prontos para enviar o projeto do consignado privado – que, na minha opinião, será transformador, porque hoje o spread mais elevado está nos empréstimos para pessoas físicas.

A taxa de juros normal, a taxa de juros média dos empréstimos com recurso livre para pessoa física, é mais ou menos 50%. O consignado é mais ou menos 22%. É muito diferente.

Hoje o principal problema para o consignado deslanchar no setor privado é que você precisa de um convênio entre o banco e o empregador, que é difícil de fazer, é custoso e exclui as pequenas e médias empresas. Com o novo sistema, o desconto na folha vai ocorrer de forma automática quando o trabalhador mudar de emprego, o vínculo continua.

O credor vai conseguir ver muito melhor quem é o devedor. Um cara que está há bastante tempo no mesmo emprego vai conseguir ter prioridade e pagar menos juros.

Fizemos também um sistema para que os fundos de previdência pudessem ser dados em garantia – e isso é uma garantia muito boa, porque é praticamente dinheiro para o credor.

Não há razão para não fazer a mesma coisa com todos os ativos que estão no sistema financeiro. Pensando talvez mais ousadamente, o próprio fluxo do Pix pode ser uma garantia extraordinária para o financiamento de micro e pequenas empresas.

O recebível do cartão funciona muito bem como garantia. Imagina a gente fazer um sistema do próprio Pix como garantia?

Então tem muita coisa ainda para fazer nessa área de custo de crédito, uma agenda bem cheia para os próximos dois anos. Para o futuro, o caminho é aprimorar as garantias.

Nossa meta é cortar o spread pela metade no crédito para pessoa física, algo que traria um ganho substancial para o crescimento econômico.

Estamos vendo o paradoxo de haver recorde nos pedidos de recuperação judicial num período em que a economia está crescendo bem. Por que isso ocorre e quais os efeitos esperados com a reforma em tramitação no Congresso?

O número de RJs é algo que preocupa. Ouvimos muitas queixas de que as empresas muitas vezes não precisavam da proteção judicial.

Não está havendo um filtro adequado para as RJs. Cabe ao juiz avaliar se ela é de fato necessária.

Mas talvez o que mais me preocupe seja a flexibilização das garantias, sobretudo de recebíveis. Sem esse ativo, a proteção do credor desaparece.

As correções de algumas distorções não dependem necessariamente de reforma legislativa, são entendimentos da jurisprudência que considero equivocados.

Além disso, precisamos reformar o instituto da falência.

O que acontece hoje? Os credores têm que concordar com o plano de recuperação judicial – e eles concordam, em boa medida, porque a alternativa, que é a falência, é muito ruim.

Na falência, eles não recuperam praticamente nada. O índice de recuperação no Brasil é de 6% do valor da dívida, e o processo dura em média 10 anos.

Enviamos para o Congresso um Projeto de Lei que muda um pouco essa lógica. É importante que esse projeto seja aprovado.

O que ele faz? Quando a empresa está falida, quando o valor das dívidas ultrapassa o valor dos bens da empresa, na prática o credor é dono da empresa. Não sobra mais nada para o acionista e o credor é o dono daqueles ativos, é ele que vai se aproveitar do valor dos bens quando eles forem alienados.

Então o que a gente propôs foi que, uma vez decretada a falência, o administrador dos bens – o gestor fiduciário da massa – passa a ser indicado pelo credor, pelo conjunto dos credores, não mais pelo juiz.

Além disso, esse gestor fiduciário poderá fazer um plano de venda dos ativos. Terá liberdade para negociá-los mais rapidamente.

O incentivo para o devedor pedir RJ indevidamente, ou mesmo oferecer um termo de acordo ruim para os credores, vai diminuir muito. Porque a solução seria a falência, e na falência ele perderia a administração dos seus bens. Os credores indicariam o gestor.

O projeto passou na Câmara, mas infelizmente entraram outros pontos no projeto que precisamos ajustar na negociação do Senado, para que o texto saia realmente redondo e seja um ganho para a sociedade.

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