Digam o que quiserem sobre o Partido Novo: que é um grupo elitista que ainda não sabe falar a língua do povo, ou que é um esforço quixotesco contra um Mecanismo muito mais poderoso.

Mas, via de regra, depois de passar uma hora com qualquer pré-candidato do partido, o interlocutor se admira: como pessoas que tem a vida tão resolvida podem estar tão dispostas a entrar na vida pública —  ainda mais numa época em que a Política produz só desânimo ou, pior, falsas soluções?

10501 83f66753 1932 0000 0003 e9aafa002e1fTome-se, por exemplo, o advogado Marcelo Trindade, que fez seu nome e patrimônio advogando para empresas e gestores de investimento. Aos 53 anos, o ex-presidente da CVM está prestes a abandonar a privacidade e a discrição que foram a base de sua carreira para pisar no tatame traiçoeiro e frequentemente repugnante onde se dá a luta política — no Brasil mais polarizado desde que o bispo Sardinha foi jantado pelos caetés.

“Minha única alternativa é pensar se vou morar em Portugal, em Miami ou blindar meu carro?” Trindade se perguntou um dia. “Ou posso contribuir tentando, motivando as pessoas, mostrando que é possível? Eu posso me mudar, mas 16 milhões de pessoas não podem. Não ganhei meu dinheiro em Portugal nem em Miami. Eu fiz minha vida aqui, então tenho que dar algo em troca.” 

No Rio, seu Estado natal, o Novo passou quase um ano flertando com a possibilidade de ter como candidato Bernardinho, o celebrado ex-técnico da seleção brasileira de vôlei, assim como muita gente cultivou a ideia de Luciano Huck para a Presidência.

Mas num momento em que muitas pessoas de bem ainda relutam em colocar as urgências do País à frente de suas circunstâncias pessoais, coube a Trindade a coragem de carregar a tocha do Novo. (E o Rio, mais que nunca, precisa de coragem.)

O que ele promete? Recuperar a autoridade moral do Estado, a única base partir da qual é possível fazer qualquer coisa.

Abaixo, nossa conversa com o pré-candidato.

 

Você é um completo outsider da política. Como foi sua decisão de tentar concorrer?

Comecei a participar do que seria uma candidatura do Bernardinho há mais ou menos um ano. Minha decisão foi de colaborar para valer e me engajar na campanha e no projeto de governo. Foram diversas reuniões e fins de semana. Aquilo me motivou muito, porque vi tudo que era possível fazer. Quando se chegou no momento em que não se tinha mais o Bernardinho [como pré-candidato], eu pensei: tenho 53 anos, fiz minha vida inteira aqui no Rio, construí meu patrimônio aqui e tenho três filhos que estão fazendo a mesma coisa – na verdade, um deles, o mais velho, se mudou para a Espanha. Minha reflexão foi: será que realmente não tenho nada para fazer? Minha única alternativa é pensar se vou morar em Portugal, em Miami ou blindar meu carro? Ou posso contribuir tentando, motivando as pessoas, mostrando que é possível?

Eu posso me mudar, mas 16 milhões de pessoas não podem se mudar. Não ganhei meu dinheiro em Portugal nem em Miami. Eu fiz minha vida aqui, então eu tenho que dar algo em troca. É um dever cívico pra mim, pelo menos. O que me motivou foi isso: a visão de que esse Estado seja um lugar onde meus filhos possam construir a vida como eu construí. Que outras pessoas possam construir a vida como eu construí. Alguém precisa tentar. Eu posso tentar, eu tenho capacidade. Então vamos tentar.

O que é possível fazer no ‘Day One’ para tentar solucionar a gravíssima crise fiscal do Estado?

A primeira delas: gestão, muita gestão. Não há nenhuma empresa no mundo que, se o diretor presidente desviar recursos da empresa, todo mundo embaixo não se sinta no direito de desviar. Isso vem de cima pra baixo: gestão, economia, redução de estruturas desnecessárias, administrar com menos gente, de forma mais eficiente, alocar os recursos onde precisam ser alocados, isso gera uma enorme economia.

Esse mato alto, entretanto, não será suficiente para resolver a crise fiscal. Vamos ter que reduzir os encargos que recaem sobre o Estado. Isso você faz por várias maneiras. Fazendo com que o Estado deixe de fazer coisas que ele não precisa fazer, fazendo com que o Estado tenha financiamento por coisas que ele faz gratuitamente e ele poderia cobrar, fazer com que a máquina estadual seja uma máquina enxuta, adequada.

Nos dê alguns exemplos.

O Estado oferece uma educação de padrão A, que é a UERJ, para pessoas da classe A que não pagam por isso. Certamente grande número de alunos da UERJ poderiam pagar a universidade. E isso não tem nada a ver com privatização, tem a ver com financiamento. As universidades americanas, que são as melhores do mundo, são privadas como entidade jurídica, mas são financiadas por dinheiro do público. Quem financia são os endowments, os fundos feitos por doações, mensalidades e contribuições.

A UERJ pode continuar a ser gratuita para quem não pode pagar e quem pode pagar paga no limite da sua possibilidade. Hoje aceitamos tudo de maneira declaratória no Brasil e eu acho que tem que ser assim mesmo. A gente desconfia sempre e acha que o cara vai fraudar. Por que a gente acha isso? Porque se fraudar e for mentira, não acontece nada. Como teria que ser?  Se declarar que não pode pagar R$ 800 mas pode, perde a vaga na universidade. Verificar é a coisa mais fácil de fazer com cruzamento de dados. Todos os candidatos vão fugir dessa questão ou vão dizer que são contra. Mas a universidade está quebrando, ficou fechada. É muito descaso com a realidade das pessoas.

E privatizações e concessões? Há espaço?

O Estado não é particularmente rico em ativos que podem ser vendidos. Mas quantas estradas estaduais concedidas de rodagem há no Rio? Em São Paulo, não há um lugar que você não anda por uma estrada privatizada.  Mas não é só estrada, tem que ter escoamento, ferrovia, porto. Tem muita coisa por fazer porque fizemos muito pouco até hoje.

Como um Estado que está quebrado investe? Com investimento estrangeiro, privado. Somos um Estado rico, com 16 milhões de pessoas. Não falta vontade de investir. Falta se o camarada não acredita no que está escrito, se o projeto foi desenhado para gerar vantagens indevidas para os agentes públicos. Daí só quem aceita é o empreiteiro local, que acha que vai sobreviver.  Pois bem, não vai. Ele aprendeu isso agora. Então agora eu preciso fazer de verdade, com uma agência reguladora estável, com mandato, que não vai ser a vontade política de nenhum governador que vai alterar.

O Rio tem um problema crônico de sonegação. Como resolver?

Precisamos melhorar a arrecadação tecnologicamente e ser muito mais efetivos na sanção contra quem não pagou imposto. Mas temos também que melhorar o ambiente de negócios para que as pessoas vejam o retorno do que eles pagam de imposto e paguem porque os negócios estão indo bem.

Num Estado em crise, a primeira coisa que o empresário faz é parar de pagar imposto, infelizmente. O primeiro financiador da dificuldade do empresário é o imposto, entre outras coisas porque o Estado demora muito para reagir. E não tem sentido demorar muito para reagir, porque hoje você consegue com a fiscalização eletrônica reagir muito rápido, monitorar a arrecadação, etc.

Mas a gente tem que dar segurança, por exemplo. Como alguém pode ser empresário em algum lugar em que ele não tem segurança física nem jurídica? Um lugar onde, se ele ganhar uma concessão, o aumento que foi contratado não vem, porque uma nova concessão foi fraudada…  Como você consegue encontrar nessa situação quem está moralmente correto? Seriedade leva a uma série de consequências, mas a principal delas é a autoridade moral para exigir o cumprimento da regra.

A intervenção federal na segurança acaba em 31 de dezembro e é pouco provável que um novo presidente a renove por conta das limitações que esse artifício traz em termos de aprovação de PECs. O que será do Rio de Janeiro sem esses recursos? Como resolver o problema da segurança?

O Estado não pode prescindir dos recursos humanos e logísticos da intervenção que estão disponíveis hoje. Será preciso ser criativo. Há maneiras de obter os mesmos recursos sem uma nova intervenção, pelo menos imediata. O general Richard [Nunes, que assumiu como secretário de segurança do Estado após a intervenção] é um exemplo de servidor militar. Ele fez um rápido reconhecimento de cenário, apoiou intensamente o Instituto de Segurança Pública, na sua capacidade de identificar manchas criminais. Houve uma parceria com empresários cariocas – eu incluído – que pagaram por um software para identificar manchas criminais, que é o ISPGeo. Rapidamente, o general chegou e falou que aquilo era importante para mover as tropas. O que se pode fazer com tecnologia nesta área é impressionante.

Mas qual o sonho? O que queremos daqui a quatro anos? Uma polícia civil capaz de investigar, prender e permitir que a Justiça condene. Tem mil estatísticas concorrentes a respeito disso, mas dá pra dizer com alguma segurança que fica abaixo de 10% o percentual de homicídios que são solucionados no Rio. Hoje, só é condenado por homicídio no Rio quem é pego em flagrante.  

E a polícia?

Precisa ter uma polícia militar que seja respeitada e admirada pelo cidadão. Os caras saem todo dia de casa para levar tiro de bandido. E a gente olha para a polícia e reclama. A polícia não tem sua culpa nisso? Claro que tem.  A gente tem que identificar isso, treinar essas pessoas, fazê-las profissionais que saibam qual a sua missão. Sua missão é combater a criminalidade e ao mesmo tempo ser respeitado, ser honesto.

Como você quer que o cara seja honesto se ele vê o governador do Estado preso com centenas de milhões de reais nas suas contas? Como você quer que essa camarada escape da tentação da corrupção? Que ele não seja leniente no combate ao crime? Esses sonhos são possíveis. Tem muitos ajustes técnicos a serem feitos nas duas polícias. A gente gasta mais dinheiro com policiais com professores. Que Estado é este que a gente gasta mais dinheiro com a polícia do que com educação? Está errado. Isso pode ser uma coisa temporária. Eu preciso gastar muito com a polícia para reverter um quadro de recessão. Mas meu sonho tem que ser gastar muito mais com educação do que com polícia.

O Rio de Janeiro é um dos Estados mais ricos do País, graças em grande parte aos royalties do petróleo, e tem uma das piores situações fiscais. Os royalties não deixaram os governos preguiçosos?

Precisamos nos beneficiar da receita do petróleo enquanto ela existir, claro, mas temos que incrementar as outras receitas do Rio. Mas tem um ponto importante: o petróleo não é um ‘favor’ para o Rio de Janeiro. Ele faz parte do pacto federativo, faz parte do que foi pactuado na nossa Constituição quando discutimos a distribuição dos recursos. Nos Estados Unidos, que também é uma federação, o Texas também recebe royalties.

E por que é importante entender isso? Porque o Rio é o antepenúltimo Estado a receber recursos da União. Estamos atrás apenas de São Paulo e do Distrito Federal. Hoje a gente é tratado como Estado rico. Se tirassem os royalties, o Rio teria que ser tratado como um Estado pobre. O Estado tem que perder o complexo de vira-lata. Os seus gestores tem que poder chegar em Brasília e poder discutir isso a sério. Quando alguém disser: “ah, os royalties”, a gente tem que dizer: “Ok, vamos mudar os royalties. Mas aí eu deixo de ser Estado rico e passo a ser Estado pobre, e quero meu dinheiro. O que você prefere?”

Os gestores do Estado têm que ter a capacidade moral de negociar os interesses do Estado, olhando com a cabeça erguida, com o queixo alto. Ladrão não levanta o queixo. Ladrão abaixa a cabeça.

O ex-prefeito Eduardo Paes é um dos candidatos mais fortes na bolha da Zona Sul. Você acha que vai dividir votos com ele?

Eu não pretendo ser o candidato nem da Zona Sul, nem do establishment, nem do PIB, nem dos ricos.  Eu quero ser o candidato do Rio. Não vamos conseguir mudar o que aconteceu até hoje no Rio de Janeiro se repetirmos o remédio. E, com todo o respeito às realizações que o Eduardo possa ter tido do ponto de vista de resultados na cidade do Rio, ele usou dos mesmos remédios que o Sérgio Cabral usou, que todo mundo usou. Não estou falando de improbidade, não estou entrando nessa discussão. Estou falando de métodos: a maneira de fazer política, composição, blindar umas secretarias com técnicos, entregar as outras. O Eduardo Paes, salvo melhor juízo, tem um secretário preso — ou, se não está preso, foi solto pelo Gilmar.

Eu, há 32 anos, sou pago pelos meus clientes para não deixar que eles pisem na linha. Para dizer “opa, você está pisando na linha, não pode, vai atingir sua imagem, você vai perder dinheiro com isso”. Tem que ser igual na política. Adoro uma frase do Warren Buffett numa carta para os CEOs das empresas em que ele investia, na época em surgiu o escândalo das  opções pós-datadas nos EUA. Ele constatou feliz que as empresas em que ele investia não tinham nada daquilo. Mas em vez de “parabéns”, ele escreveu: “fiquei feliz, mas continuem lembrando da das cinco palavras mais perigosas do mundo dos negócios: ‘everybody else is doing it’”.

E é a mesma coisa na vida pública. Por isso acho que eu sou bem diferente dos outros pré-candidatos ou potenciais candidatos. Acho que a minha candidatura quer simbolizar essa diferença. A esperança das pessoas em dizer: não vai ter pisada na linha, não vai ter meio acerto, não vai ter mais ou menos. Vai ser como tem que ser.