O pregão de hoje está se mostrando uma ‘black friday’ para o varejo – infelizmente, não no sentido que o setor está acostumado.
Resultados de varejistas que reportaram hoje levaram a quedas de dois dígitos em alguns dos papéis, reforçando o temor do mercado sobre a fragilidade do setor em meio a uma economia em desaceleração.
Os resultados se somam a números fracos da Petz reportados nos últimos dias, e mostram o estrago que a Selic de 13,75% continua a fazer no varejo.
“Só o varejo alimentar e as farmácias é que estão segurando essa onda, e mesmo assim, no alimentar o consumo está concentrado nos primeiros dias do mês, quando as pessoas acabaram de receber o salário,” disse um veterano do setor. “Se essa curva de juros não reverter, não vai sobrar muita coisa.”
A Via chegou a cair 13% depois de um resultado fraco em diversas linhas e temores em relação à sua estrutura de capital; já a Arezzo&Co despenca 13% em meio a uma leitura do mercado de que até os players que estavam entregando consistentemente agora se encontram sob pressão do ambiente macro.
No Magazine Luiza, uma denúncia anônima ofuscou resultados que o mercado considerou em geral positivos.
A ação chegou a cair mais de 8% no início do pregão depois que a empresa disse num fato relevante que recebeu uma denúncia anônima citando “práticas irregulares envolvendo fornecedores e distribuidores.”
Mas na medida em que a teleconferência com o mercado progredia, o papel reduziu a queda para 1%.
O Magalu entregou receita e EBITDA acima das projeções do sellside, bem como um prejuízo líquido menor do que o esperado, turbinado por ganhos não-recorrentes.
A receita líquida ficou em R$ 11,2 bilhões, um crescimento de 19% na comparação anual e 6% acima do consenso. Já o EBITDA veio em R$ 674 milhões, com uma expansão de 3,4 pontos percentuais da margem.
O prejuízo ajustado ficou em R$ 15 milhões, enquanto os analistas esperavam perdas da ordem de R$ 75 milhões.
“O resultado foi bom no relativo, comparando com Via Varejo e com as expectativas baixas do mercado. Ainda assim, é um resultado ruim,” disse um analista do buyside.
Mas o que prendeu a atenção do mercado neste mundo pós-Americanas foram as tais ‘irregularidades com fornecedores’.
“Nesse momento do mercado, falar de ‘investigação’, de ‘fornecedores’, é muito complicado,” disse um analista do sellside. “E não ficou claro o que são essas irregularidades e o que pode gerar de impacto para a companhia. É meio uma gray area da contabilidade se essas bonificações entram como redutor de custo, de despesa…”
O Magalu disse que recebeu um relato anônimo apontando para práticas comerciais que violam seu código de conduta e de ética. A denúncia cita operações “irregulares” envolvendo o pagamento de bônus a distribuidores e fornecedores nas compras de mercadorias. O fato relevante disse que os três distribuidores alvo da denúncia representam apenas 3,5% do total de produtos comprados pela varejista.
O Magalu disse que seu comitê de risco e compliance vai verificar as alegações, e disse que contratou um advisor externo independente para investigar o assunto.
Na call com analistas, o CEO Fred Trajano disse que “uma denúncia anônima ainda não investigada não deveria tirar o brilho do resultado do quarto trimestre.”
“Foi um ano que fizemos uma série de ações para aumentar a rentabilidade da companhia num momento econômico difícil, de juros altos, e de ressaca do varejo,” disse Fred.
Na Via, a situação parece mais crítica. A empresa viu seu EBITDA ajustado cair 42%, e seu nível de endividamento acendeu um sinal de alerta sobre a estrutura de capital.
Um investidor notou que a dona das Casas Bahia e do Ponto teve despesas financeiras de R$ 698 milhões no quarto trimestre e tem uma dívida de R$ 1,6 bilhão vencendo no curto prazo, com R$ 1 bi já nos próximos seis meses.
Um analista do buyside, no entanto, disse que não vê um risco imediato de liquidez. “Eles têm bastante caixa, recebíveis de cartões… Mas os bancos com certeza devem estar mais receosos. Acho que ela consegue passar, mas é um momento difícil, um ambiente bem complicado.” A maior parte da dívida da Via é bancária, e concentrada em poucas instituições.
Para completar o fluxo de notícias negativas, o vp de tecnologia, Helisson Lemos, que passou anos no Mercado Livre antes de assumir o cargo na Via há três anos, renunciou sem explicação.
Na Arezzo&Co, o resultado também pesou sobre a ação, apesar de ter vindo praticamente em linha com o mercado.
“A qualidade do resultado não foi das melhores. As marcas core desaceleraram bem, e o volume de pares e bolsas vendidos teve queda,” disse um analista do buyside. “A rentabilidade também veio baixa, bem pressionada, apesar de em linha com o mercado.”
Este analista nota que a ação pode ter despencado também por um fator técnico, já que havia muitos gestores comprados na tese. “Qualquer notícia um pouco pior, o pessoal vende e tem pouco comprador marginal.”