Quando vão para a SP-Arte, que este ano completou 20 anos, os galeristas levam o melhor do seu acervo e da produção recente de artistas contemporâneos – a maioria deles, brasileiros. 

Nesta edição, algumas exceções incluem o mexicano Gabriel Orozco (na Almeida & Dale), o indiano Anish Kapoor (na Contínua), Alexander Calder e Dan Flavin (no Escritório Paulo Kuczynski).

Talvez por ser difícil encontrar no Brasil trabalhos internacionais experimentais ou conceituais, a obra monumental da americana Lynda Benglis no estande da Galeria Mendes Wood tenha causado tanto frisson

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Quem subiu a rampa da Bienal e chegou ao segundo andar deparou-se com a escultura de duas toneladas – de 2,30 cm por 1,80 cm – e absolutamente fora do comum.

Benglis é a maior escultora americana viva. Com 82 anos, sua importância histórica está no mesmo nível de Richard Serra, Donald Judd e Frank Stella. Infelizmente, ainda que não seja uma surpresa, foi menos reverenciada que os homens de sua geração. Alcançou o estrelato já com bastante idade, tal como Carmen Herrera e Etel Adnan, dentre outras. 

Além de ser mulher, o que em si já é um desafio para o reconhecimento, Benglis é irreverente e experimental. Rompeu precocemente os limites formais usando materiais considerados inapropriados ou até mesmo infantis.  

Benglis estudou pintura e cerâmica na Tulane University, na Louisiana. Em 1964, mudou-se para Nova York, onde conheceu Andy Warhol, Donald Judd, Sol LeWitt e os grandes da época. Hoje divide sua vida entre Manhattan e Santa Fé, New Mexico. Durante anos, viajava com frequência para a Índia com seu companheiro, Anand, já falecido.

O começo da carreira foi centrado na desconstrução de concepções minimalistas, criando formas que desafiavam o conceito de escultura e usando materiais como borracha, purpurina e tinta fluorescente. Essa amplitude de meios impedia um enquadramento sobre seu pensamento, que não se assemelhava a nenhum outro grupo de artistas. O meio artístico, por não conseguir classificá-la (não é pop, nem abstrata, nem minimalista – talvez seja um pouco de cada, ou nada disso) deixou-a à margem e fora do radar, mesmo sendo uma artista dos artistas.

Nos anos 70, ficou conhecida por uma ação hoje considerada genial e revolucionária. Quando a revista Artforum foi entrevistá-la, Benglis pediu para posar seminua para a reportagem. O editorial recusou. 

Para ironizar o machismo dominante, ela mesma produziu uma foto nua, com a pele brilhando e  segurando um dildo de plástico – e a exibiu em um anúncio de página inteira na própria revista, pago do próprio bolso.

A foto pariu uma legião de fãs e detratores. Ultrajada,  parte da diretoria da Artforum pediu demissão. A fotógrafa Cindy Sherman viu o anúncio na época da faculdade, e disse que aquela audácia marcou de modo definitivo sua arte. A imagem se tornou um ícone pop do século XX, assim como as bananas de Warhol.

Laura Hoptman, curadora que já esteve no MoMA e agora está no Drawing Center de NY, disse certa vez: “Não há ninguém como Lynda. Há um traço de independência que a destaca na multidão, seja posando nua no anúncio da Artforum ou colocando glitter em seu trabalho no momento em que a austeridade do minimalismo estava em alta.”

Benglis também foi pioneira no campo da videoarte. Videos como “Female Sensibility” (1973), em que beija uma amiga, e “Now” (1973), em que interage com uma imagem pré-gravada de si mesma, combinados com as fotografias que ela chamava de “Zombarias Sexuais” a transformaram em ícone feminista.

Suas famosas pinturas do final da década de 1960 –- nas quais látex e poliuretano colorido se espalham e escorrem pelo chão, assumindo uma forma tridimensional – são vistas como uma resposta à técnica de gotejamento de Jackson Pollock. 

Nos anos 70, a revista Life fez uma reportagem colocando as obras dos dois artistas lado a lado. “Ela levou a técnica de dripping do Ernst e do Pollock a um novo extremo, criando não esculturas, mas pinturas tridimensionais a partir de práticas performáticas, que com o uso de materiais improváveis (para a época) congelam o movimento no espaço,” a diretora da Mendes Wood, Isadora Ganem, disse ao Brazil Journal.   

Aos 80 anos, Benglis estreou como modelo em uma campanha da Loewe, a marca mais cool do portfólio da LVMH.  Seu diretor artístico, o irlandês Jonathan Anderson, que não tem nem 40 anos, é outro gênio criativo sofisticado e irreverente. Fã declarado da artista, os dois têm feito diversas colaborações. Uma linha de acessórios criados pela dupla ganhou um prêmio de design da Wallpaper.

As esculturas da série “Elephant Necklace” figuraram no desfile da Loewe, e as imagens viralizaram pelo mundo. Esta é a série que a Mendes Wood trouxe para o Brasil – um conjunto de cachos de cerâmica esmaltados feitos à mão e fundidos no bronze. Benglis diz ter se inspirado tanto em pneus espalhados nas laterais de rodovias americanas quanto em fragmentos de mamutes imaginários de tempos antigos. Segundo a artista, a arte é para criar um diálogo, e não para fazer sentido.

Ao longo de seis décadas, a artista mais corajosa, espalhafatosa e desobediente da história recente derramou, fundiu, derreteu cera, usou látex rosa pink, bronze, colou purpurina, quebrou vidro e fez cerâmica, sem se encaixar em um ramo específico das artes. O tempo se encarregará de dimensionar sua obra – mas por ora ela não dá sinais de que pretende parar de quebrar regras.