O senador Ciro Nogueira (PP-PI) acredita que o Brasil só teve quatro líderes populares: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.

A diferença entre eles e todos os outros políticos está na identificação dos eleitores, disse o presidente do Progressistas, que integrou a base de apoio nos dois primeiros mandatos de Lula e foi o ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro entre 2021 e 2022.

“As pessoas pensam, ‘Esse é um de nós que chegou lá’,” Ciro disse numa conversa com o Brazil Journal. “É por isso que, muitas vezes, elas são mais condescendentes com Lula e Bolsonaro, perdoam mais as atitudes dos dois.”

Ciro NogueiraO presidente do PP acha, porém, que Lula anda amuado porque teria deixado de ser o político “mais amado” do Brasil e que, no caso de Bolsonaro, a identificação do povo é “total.”

Agora um crítico contundente do petista, Ciro diz que Lula e o PT não reciclaram suas ideias e que o Presidente jogou fora a chance de unificar o País, algo que até oposicionistas como ele esperavam acontecer.

“Eu tenho carinho pelo presidente Lula, não tenho raiva,” diz o senador, que foi deputado federal por quatro mandatos consecutivos e hoje está em seu segundo termo sucessivo como senador pelo Piauí.

Ciro apoia a política fiscal conduzida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad – ao contrário, diz ele, do próprio Lula, que tira a credibilidade dessa política ao defender a mudança da meta e o aumento do tamanho do Estado na economia. Segundo ele, um exemplo disso seria a ideia de “reestatizar” a Braskem, a maior petroquímica do País, plano que o PP pretende derrubar no Congresso.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia o primeiro ano do governo Lula?

O presidente Lula encontrou um momento muito bom do País, com um otimismo internacional em relação ao Brasil que até me surpreendeu. A gente tinha a expectativa de que ele viesse para unificar o País. Falava-se até que Lula seria o novo [Nelson] Mandela. O que temos visto desde o início do governo é o contrário disso.

Por quê?

Estamos vendo o Lula jogar fora todas as oportunidades que o País está encontrando. O Brasil poderia aproveitar este momento de instabilidade mundial, por ser um país pacífico, que não tem confronto com ninguém, e pelas potencialidades que tem no que diz respeito à produção de energia e do agronegócio. Lula está jogando tudo isso fora por questões ideológicas e visões ultrapassadas. Não é o fato de ser direita ou esquerda.

O que pesa na sua avaliação?

O mundo vive um outro momento. A China, que é uma nação tida como comunista, está lá com uma economia de mercado, participando de todas as transformações tecnológicas que o mundo vive. Não dá mais para ter esses retrocessos econômicos.

Quais, por exemplo?

Aumentar o tamanho do Estado. Isso deu errado. Infelizmente, o Lula 3 está indo no caminho de um Dilma 3. É o que está se vislumbrando para o futuro do nosso País

O que o Governo está fazendo neste sentido?

Por exemplo, esse caso da Braskem, em que a Petrobras está negociando a venda da fatia da Odebrecht para uma empresa estatal dos Emirados Árabes para deter o controle de fato da empresa. Ora, qual é o sentido de se reestatizar a Braskem? Isso é um absurdo! Qual é a visão estratégica por trás disso? O que o Brasil ganha com isso?

O que vamos ganhar é uma imagem externa horrorosa, e uma imagem interna pior ainda. É inacreditável, e nós vamos tentar impedir que isso se efetive. Estamos estudando as medidas que adotaremos, dentro dos limites que o Congresso tem, para barrar isso. É uma visão ultrapassada atrás da outra.

Que outro exemplo o senhor citaria?

Na semana passada, na calada da noite, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, baixou uma portaria para obrigar que acordos firmados entre empregados e patrões quanto ao trabalho nos fins de semana passem, antes, pelo crivo dos sindicatos. Estamos estudando um decreto legislativo para sustar essa medida.

O senhor integrou o governo Bolsonaro em meio à polarização aguda que passou a caracterizar a disputa política nacional. Por que acreditava que Lula poderia ser o novo Mandela?

Acreditava! Porque o Lula que eu conheci em 2002, e cujo governo apoiei, era um Lula com esse espírito de união. Pegue o fato de ele ter nomeado Henrique Meirelles para comandar o Banco Central, por exemplo. Aquilo foi uma sinalização muito positiva e teve um bom impacto.

O que mudou em relação ‘àquele’ Lula?

Agora, ele chegou já dizendo que queria tirar a autonomia do BC, uma conquista tão importante para a estabilidade econômica do País. Então, é um Lula que parece que ficou 20 anos parado no tempo, que não se reciclou. Aliás, o PT como um todo parece que não se reciclou, não aprendeu com seus próprios erros. O Lula que lá atrás veio para enfrentar a pobreza e a miséria agora veio para aumentar o tamanho do Estado, para dar cargos à ‘companheirada’, para aparelhar o Estado.

O senhor pode dar um exemplo de como o governo quer aumentar o tamanho do Estado?

O Tesouro Nacional, por exemplo, daqui a pouco vai ter que colocar mais recursos nas estatais por causa de prejuízos [estimativa é fechar 2023 com rombo de R$ 5,6 bilhões]. Esta foi uma página que já tínhamos virado com o Presidente Bolsonaro. Saímos de um prejuízo gigantesco para um lucro muito bom. Quem vai pagar a conta é a sociedade. Isso resulta dessa visão ultrapassada de confundir o Estado com o Partido dos Trabalhadores.

O senhor integrou a base de apoio parlamentar ao governo no primeiro mandato de Lula (2003-2006).

Sim, o Partido Progressista (PP) fez parte daquele momento [de apoio à gestão Lula]. Era outra realidade. Entregavam-se os ministérios, as estatais, aos partidos aliados com ‘porteira fechada’. Isso está voltando e é preciso dizer: aquilo deu errado! Eu fiz isso no passado, mas foi um erro. As pessoas têm que evoluir. Eu evoluí. Nunca vou dizer que não cometi erros no passado. Naquele tempo era algo que se achava normal, hoje não é.

O que mudou?

Hoje, a gente deveria blindar nossas estatais. O fato de se nomear pessoas competentes dá um estímulo para outras [do serviço público e do setor privado] poderem participar do próprio governo. Hoje, para ser dirigente de uma estatal é preciso ter um padrinho político. Tínhamos virado essa página. Esta tinha sido uma conquista importante do governo Bolsonaro.

O senhor escreveu artigo para o Brazil Journal defendendo a disciplina fiscal adotada pelo Ministro Haddad e criticando a postura do Presidente, que pretende mudar a meta fiscal. A equipe econômica precisa de apoio da oposição para defender sua política?

Em economia, a gestão do Ministério da Fazenda vive de credibilidade. Se você assume um compromisso, este, logicamente, pode ser alterado desde que aconteça algo muito grave, como uma guerra, uma pandemia. Mas por vontade política, por questão ideológica, por irresponsabilidade das pessoas que têm o dever de zelar pelo equilíbrio das contas, não se deve mudar aquilo que se prometeu. Isso vale para todos os aspectos da vida, mas vale, principalmente, para a gestão econômica porque, do contrário, se perde a credibilidade. Este governo está jogando tudo fora por culpa do Presidente da República. Quando ele fala, atrapalha a economia. Quando ele se cala, a economia fala. O Presidente é hoje um empecilho para o nosso País.

Mesmo na oposição, o senhor apoia as medidas econômicas do governo?

Sim, aprovamos grande parte das medidas econômicas do governo. Temos uma oposição hoje que não é pelo ‘quanto pior, melhor’. Já o PT era contra tudo e contra todos. Acostumou-se a pedir o impeachment de todos os presidentes, desde o início da redemocratização do país, em 1985. O PT nunca se sentou à mesa para negociar, como fizemos agora com o ministro Fernando Haddad para discutir, sugerir, para tentar melhorar as medidas.

O senhor já esteve com Haddad?

Sim. Quando foi apresentado o novo arcabouço fiscal, tivemos reuniões com ele.

O senhor tinha excelente relação com o presidente Lula. Houve algum encontro neste ano?

Eu tenho carinho pelo Presidente Lula, não tenho raiva. Acontece o seguinte: eu não tenho nenhum motivo para me encontrar com ele. O que o Lula quer é tentar me convencer a apoiar o governo dele. Isso não vai acontecer. Muita gente duvidava e dizia que, ‘no dia seguinte [ao da eleição], o Ciro vai aderir ao governo’. Muitos se surpreenderam com o meu posicionamento. Eu só conversarei com o Presidente Lula no dia em que ele deixar o governo.

A oposição será responsável?

Totalmente. Eu me sinto dentro de um avião, logo, não vou ficar torcendo contra o piloto. Não acho que tenhamos que esperar três anos para modificar ou tentar melhorar o Brasil, acho que podemos fazer isso agora. Qualquer medida que seja boa para o País eu aprovarei ou tentarei melhorá-la. Mas, o que não for, serei radicalmente contra.

Como o senhor vê a polarização?

Vejo como algo muito ruim. Saímos de uma eleição em que as famílias se dividiram, os amigos, o País se dividiu. Foi uma eleição em que o eleito só venceu em uma região [Nordeste] e o adversário, nas outras quatro. Precisava de um homem que viesse para unir o País, e o Lula jogou fora essa oportunidade. Lula tem hoje uma grande mágoa.

Qual?

Hoje ele não é o homem mais amado do Brasil. Quando perdeu para Fernando Henrique duas eleições [em 1994 e 1998], Lula era o político mais amado, mesmo perdendo. Hoje, ele não é mais. Aquilo dói muito no Lula. Toda vez que ele sai do Palácio da Alvorada, olha para o espelho d’água [que separa o palácio do local permitido a turistas] e isso dói nele. Ele percebe essa distância do povo. É um homem que não tem mais contato nenhum com o povo. Tenho certeza de que, quando [a Primeira-Dama] Janja vê nas redes sociais aquelas imagens de Bolsonaro no meio do povo, amado e abraçando as pessoas, aquilo provoca uma enorme dor de cotovelo em Lula.

O senhor declarou que o candidato da oposição à Presidência em 2026 não será Bolsonaro, que teve os direitos políticos cassados pelo TSE. Isso não frustra o ex-presidente?

Eu convivi na privacidade do presidente, em seu gabinete. Eu o esperava todo dia às 8h, 8h30, para ter uma conversa reservada. E as conversas eram muito rápidas. O Bolsonaro não é uma pessoa de perder muito tempo, é preciso ser muito direto com ele. A maioria das minhas reuniões com ele durava de cinco a dez minutos. Nessas conversas, eu dava a minha visão das coisas.

O que o senhor descobriu com essa aproximação?

Ali, eu vi o sofrimento que ele passou, o que foi o peso da Presidência da República, o fato de ele se sentir isolado. Ele queria ir para a rua, mas a segurança não deixava. Na campanha de 2018, quase o mataram. Então, a gente tinha a preocupação de um ‘sniper’ [atirador em inglês] atingi-lo. Havia, também, as injustiças, as medidas que ele queria tomar e às vezes não podia por causa da responsabilidade que ele tinha com o País. Vi muitas vezes o presidente chorar e se emocionar ali dentro.

Mas que efeito tudo isso tem sobre as pretensões eleitorais do ex-presidente?

Eu tenho certeza de que o Bolsonaro, quando saiu da eleição, não sairia mais candidato à Presidência. É lógico que a decisão era dele. Se resolvesse sair candidato, teria o nosso apoio. Não vou negar que um candidato apoiado por Bolsonaro, e que não tenha a rejeição dele, é mais fácil de eleger hoje no Brasil. E isso vai acontecer. É lógico que eu não gostaria que ele perdesse os direitos políticos. Teria que ser uma opção dele, por exemplo, disputar o Senado por São Paulo, em vez da Presidência. Mas acho que ele não iria disputar. Infelizmente, teve essa decisão do TSE que a gente tem que respeitar, mas com a qual eu não concordo. É um absurdo cassar os direitos políticos de um líder de dezenas de milhões de brasileiros por causa de uma reunião com embaixadores estrangeiros. É inacreditável! Mas hoje ele se transformou no maior cabo eleitoral do País. Você vai ver o que acontecerá nas eleições municipais.

Qual é a sua previsão?

A oposição terá uma vitória avassaladora. O PT não fará um prefeito de capital, nem sequer de uma grande cidade.

E como está o humor de Bolsonaro após a cassação de seus direitos?

Ele não se abate. Parece que cada pancada que toma serve para ele criar mais força. Bolsonaro é o homem público mais bem intencionado que já conheci, nunca conheci um homem com tanta identidade popular como ele. Tivemos quatro grandes líderes populares no Brasil: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Lula e Bolsonaro. Os dois primeiros, obviamente, eu não conheci. O problema é que, pela primeira vez, dois líderes populares se enfrentaram. Mas, hoje, não tenho dúvida de que Bolsonaro tem infinitamente mais apelo popular do que Lula.

Qual é a diferença entre Bolsonaro, Lula e os outros políticos?

As pessoas olham para mim, para o [João] Dória, o Tarcísio [Freitas], o Eduardo Paes, o [Geraldo] Alckmin, e veem qualidades de um político competente, trabalhador. Mas, não nos olham como fazem para Bolsonaro e Lula e dizem: ‘Esse é um de nós que chegou lá’. É por isso que, muitas vezes, as pessoas são mais condescendentes com Lula e Bolsonaro, perdoam mais as atitudes dos dois. Se eu tivesse falado metade do que os dois falaram já teria sido afastado da vida pública. Os eleitores os perdoam como se eles fossem da própria família. E hoje, a identificação total do povo é com Bolsonaro.

Como o senhor qualifica os ataques de 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes, em Brasília?

O que aconteceu ali foi uma omissão gigantesca das forças policiais. Com 100 policiais no local, não tinha ocorrido nada. Eu não me conformo com o seguinte: como é que o Palácio do Planalto, que tem mil homens [cinco pelotões de elite do Batalhão da Guarda Presidencial] à disposição, só tinha 16 naquele momento? Por que os policiais da força militar que estavam dentro do Ministério da Justiça não vieram atuar? Infelizmente, eles esconderam as câmeras para não mostrar isso. Aí, tentou-se criar uma narrativa de golpe.

Não foi uma tentativa de golpe?

Que golpe? A maioria eram senhores e senhoras que foram levados ali devido a um efeito ‘manada’. Foi um erro e um momento triste da história, do qual o governo Lula tentou se utilizar politicamente.