Roberto Setúbal é um banqueiro medíocre, Silvio Santos é um perdedor, e Jorge Paulo Lemann só se deu bem porque teve sorte.
Ninguém (absolutamente ninguém) é talentoso no Brasil — mesmo estando em sua melhor forma profissional — quando comparado aos cínicos profissionais da nossa política cancerosa.
Para além de caricaturas histriônicas, estes cínicos se transformaram hoje em terroristas da nossa ordem institucional. Eles abalam a fé das pessoas no contrato social que nos aglutina, dilapidam a ideia de equidade e justiça, e destroem a esperança na república.
Estes homens têm que ser detidos.
Encarando a verdade como um obstáculo e usando a semântica como gueixa, estes samurais da sacanagem tripudiam sobre os fatos traficando versões fantasiosas. Negam provas contundentes apelando para argumentos estatisticamente improváveis. Inventam e habitam uma realidade paralela, para não irem para a cadeia no mundo real.
O brasileiro sempre teve que lidar com o cinismo e a mentira na política, mas esta semana vai pro Guinness Book of Bullshit.
Na quarta-feira, emergiu o que parecia ser um balão de ensaio desenhado para testar a quantas anda a passividade média da população: as explicações dadas por Eduardo Cunha “a colegas” (portanto, ainda em caráter oficioso) para o fato de ter, sim, contas bancárias na Suíça, depois de ter dito categoricamente numa CPI que elas não existiam. (Cunha, como Nixon, vai cair não pela alegada grana suja, mas pela tentativa de encobri-la.)
Mas, como os extratos e documentos teimavam em existir, o que diz agora o nobre servidor público, depois de duas semanas confabulando com seus advogados? Segundo Ranier Bragon, na Folha, “o deputado disse aos colegas que foi questionado na CPI se era titular de contas e diz que isso ele não é, porque elas foram registradas por empresas que [ele] abriu fora do País.”
Como se vê, o problema está nos deputados que não souberam formular as perguntas, porque, ao pé da letra, Eduardo foi corretíssimo…
Sinceramente, eu achei que já tinha ouvido de tudo.
Mas a coisa consegue ficar ainda mais bizarra.
“Ainda segundo deputados ouvidos pela Folha, o presidente da Câmara diz que não sabia da origem do 1,3 milhão de francos suíços depositados em 2011 numa de suas contas pelo lobista João Augusto Henriques, preso pela Operação Lava Jato em setembro.”
Essas lances de sorte só acontecem com Eduardo Cunha. Em sua conta secreta, entra um dinheirão que o cara nem sabe bem de onde veio. E, se podia alegar que seus outros dinheiros provinham de negócios ‘legítimos’, contra o depósito feito por um lobista não há argumentos — a menos, como alega Cunha, que se tratasse de algum engano.
Ontem, a explicação de Cunha desabrochou ainda mais. Agora, o deputado diz que ganhou dinheiro grosso com — tá sentado? — “a venda de carne enlatada em consignação para países africanos”.
Que faro para os negócios! Que espírito animal! Este sim, como dizia Eike Batista, “lia o jornal de amanhã hoje”. Registrem, historiadores: Eduardo Cunha foi à África antes da globalização. (A Odebrecht, por coincidência, foi para Angola na mesma época, em 1984.)
Como mostrou o Radar Online, um memorando de 2012 da Merrill Lynch notava que a grana de Cunha veio de seu espetacular sucesso como presidente da Telerj e de investimentos imobiliários na Barra da Tijuca. Estranhamente, nenhuma menção à tal da carne enlatada, esse pote de ouro que Cunha escondera de todos até agora.
Se a Câmara dos Deputados — onde quase todo mundo tem um rabo preso, variando apenas o tamanho do rabo — demonstrar tolerância com essas explicações, cada ladrão de galinha deste País merecerá o benefício da dúvida quando der a mais estapafúrdia desculpa por seus atos. E quem achava que Cunha era a solução, a chave para o impeachment — sim, PSDB, isso é com vocês — vai se afogar em seu próprio relativismo moral.
Mas, claro, Luis Inácio Lula da Silva não podia deixar que alguém tirasse seu ouro, quer dizer, sua medalha de ouro no concurso Sonso da Semana.
Eduardo já estava com a mão no troféu quando Lula entrou na disputa pelas mãos de Kennedy Alencar.
O senhor nunca foi alertado sobre corrupção na Petrobras?
“Eu não fui alertado pela gloriosa imprensa brasileira, eu não fui alertado pela Polícia Federal, eu não fui alertado pelo Ministério Público… e eu sou o Presidente que mais visitei a Petrobras, Kennedy, ninguém foi tanto na Petrobras, em plataformas, como eu. Nunca, nunca ninguém me disse que tinha algum corrupto. Ou seja, essas coisas você só descobre quando a quadrilha cai, ou quando alguém denuncia.”
E, segundos depois, para reforçar sua santa ingenuidade, resgatou uma clássica do Mensalão: “Ô Kennedy, quantas coisas acontecem dentro tua casa, com os teus filhos, que você não sabe?”
Talvez nunca saberemos o que acontece dentro da casa de Kennedy Alencar, mas agora sabemos o que acontece na política brasileira: é tudo um grande mal entendido, envolvendo gente carregada apenas das melhores intenções.