Uma proposta para criar um roadmap global para eliminar o petróleo da economia naufragou antes de chegar ao plenário da COP30. 

Lançada pelo Presidente Lula e rapidamente apoiada por mais de 80 países, a ideia foi retirada do texto final após a resistência dos produtores de petróleo, divisões internas na União Europeia e falta de financiamento dos países desenvolvidos para viabilizar a transição nos países mais pobres.

A ideia brasileira ganhou tração logo no início da conferência. Colômbia e Holanda lideraram uma coalizão que apresentou a Declaração de Belém, um chamado explícito para que a COP30 adotasse um roadmap “claro, justo e equitativo” para o phase out dos combustíveis fósseis. 

O documento foi endossado por países de todos os continentes, incluindo Austrália, Chile, Costa Rica, Dinamarca, Luxemburgo, México, Espanha, Vanuatu, Tuvalu, Panamá e as Ilhas Marshall.

Luiz Inácio Lula da Silva

“Não queremos um gesto simbólico; queremos propriedade global,” disse Irene Vélez Torres, a ministra do Meio Ambiente da Colômbia. 

Para os pequenos Estados insulares, como Vanuatu e Tuvalu, os mais ameaçados pelas mudanças climáticas, trata-se de uma questão existencial. 

“Não vamos esperar,” disse o representante de Tuvalu. “Um texto climático que não menciona combustíveis fósseis se recusa a falar a verdade.”

Mas dentro das salas de negociação, o entusiasmo encontrou um muro. Os países produtores — liderados pela Arábia Saudita — classificaram o roadmap como uma “linha vermelha”. O LMDC (um bloco que inclui a China, a Índia, boa parte do Oriente Médio e alguns países africanos) acusou os países ricos de pressionarem por novas obrigações sem prover financiamento adequado. 

A posição africana ajudou a consolidar a divisão global sobre o roadmap. Países vulneráveis como Quênia, Ruanda e Cabo Verde apoiaram a Declaração de Belém.

Já grandes produtores africanos — como Nigéria, Angola e Argélia — rejeitaram a ideia de um phase out explícito, repetindo a narrativa de que “o problema são as emissões, não os combustíveis”. 

11 12 Andre Correa do Lago ok

Entre esses pólos, uma maioria africana adotou uma posição pragmática: aceitava discutir o roadmap, mas condicionava qualquer avanço a financiamento em larga escala, tecnologias acessíveis e respeito às necessidades de industrialização do continente.

“Os LMDCs seguem como bodes expiatórios convenientes da falta de ação daqueles mais responsáveis pela crise,” disse Mohamed Adow, diretor do think tank Power Shift Africa.

A crítica bate nos números. O Global Stocktake aprovado em Dubai reconhece que o mundo precisa de US$ 4,3 trilhões por ano em energia limpa até 2030, enquanto os países em desenvolvimento estimam necessidades superiores a US$ 5,8 trilhões até 2030 — mas os países desenvolvidos chegaram a Belém sem novos aportes e ainda incapazes de cumprir metas antigas. 

Sem financiamento, o roadmap foi visto como assimétrico e politicamente inviável, e a União Europeia demorou a entrar no debate. 

O bloco apoiou a ideia mas atuou como moderador, evitando uma disputa que poderia travar outras negociações. Isso ampliou a percepção de que o impulso político, embora forte, não teria respaldo suficiente para se transformar em texto formal.

A pressão externa — liderada pela presidência brasileira — levou o roadmap a aparecer, ainda que timidamente, no primeiro rascunho do texto-chave da COP. Mas a segunda versão eliminou qualquer referência ao tema, gerando reações duras. 

No dia 20 de novembro, um incêndio em um dos pavilhões interrompeu as negociações e reforçou a percepção de uma COP marcada por tensões, atrasos e frustrações. 

Marina Silva

Ao final, o roadmap de fósseis — a principal aposta política do Brasil — ficou fora do texto da COP30. Mas a presidência brasileira anunciou um plano alternativo. 

André Corrêa do Lago, o presidente da COP30, e Marina Silva, a ministra do Meio Ambiente, informaram que, mesmo sem um mandato formal, o Brasil vai elaborar o roadmap por fora da UNFCCC (braço da ONU que organiza as COPs) durante os próximos 11 meses de presidência interina — a Austrália assume o comando da próxima COP, que será na Turquia, somente no primeiro dia da conferência. 

O documento será produzido com estudos, seminários e apoio técnico das maiores instituições de energia do mundo — as agências internacionais de Energia e de Energia Renovável, alianças de biocombustíveis e até a Opep.

O objetivo declarado é um relatório “substantivo, neutro e equilibrado” sobre como diferentes países podem sair da dependência dos combustíveis fósseis, reconhecendo suas circunstâncias econômicas, energéticas e sociais. 

Marina Silva descreveu o movimento como resultado da pressão social, científica e diplomática exercida pela coalizão liderada pela Colômbia. 

“Não conseguimos o consenso formal, mas ganhamos força e determinação para fazer o que há 30 anos se espera: sair da dependência dos combustíveis fósseis,” disse a ministra.

Mas o fato central permanece: o mundo ainda não tem um plano para eliminar os combustíveis fósseis — e, pela primeira vez, mais de 80 países disseram explicitamente que isso é indispensável. 

Para muitos negociadores, a sensação é de que a COP30 revelou uma realidade dupla. O processo formal não conseguiu entregar o roadmap, mas a política internacional — empurrada por países vulneráveis e pela Colômbia — começou a construí-lo por fora. 

O resultado é uma corrida paralela cujo desfecho deve moldar a COP31 e, possivelmente, a próxima década da diplomacia climática.