NOVA YORK — “Coragem não é a ausência de medo, mas a constatação de que há algo mais importante do que ele”, diz o governador de Nova York, Andrew Cuomo, homenageando os profissionais de saúde que morreram tratando pacientes da covid-19, que já ceifou mais de 9 mil vidas só no seu estado.

10972 fa853f8f 87eb 952c edc7 eaa6219d1442A frase sobre a coragem é de Franklin Delano Roosevelt, e, assim como FDR, Cuomo está sendo visto como um ‘presidente de guerra’ — fazendo sombra ao Presidente que mora na Casa Branca — no momento mais grave do mundo desde a Grande Depressão. 

Seus briefings diários, quase sempre às onze da manhã, são transmitidos ao vivo e se tornaram um momento de informação e reflexão para boa parte dos americanos: Cuomo informa sem aterrorizar, e lidera mostrando um lado humano que poucas vezes se vê num político.

As coletivas também são uma aula de didatismo e comunicação: sua fala é acompanhada por slides com números, gráficos, mapas e tabelas. Todos os temas são mastigados para o público, não importa o quão complexos.

Cuomo pincela assuntos como entubação, hospitalização, estatísticas de pacientes que tiveram alta, testes em andamento, medidas que aprovou, seguro-desemprego, alimentação e habitação para equipes médicas e ajuda militar. Ao terminar, ainda atende os repórteres.

A transformação de Cuomo de político tradicional em líder inspiracional só poderia acontecer mesmo como resultado de uma guerra.  Antes do corona, Cuomo era universalmente detestado pela esquerda — que condena seu pragmatismo “pró-negócios” — e pelos conservadores, que o vêem como um ícone liberal.  Já no centro político… “muitos políticos liberais e moderados, que em tese deveriam gostar de Cuomo, simplesmente tem medo dele,” que é tido como um trator, definiu um articulista do New York Times numa coluna intitulada, “Andrew Cuomo Is the Control Freak We Need Right Now.”

Trazendo ainda mais realismo à coisa toda, o vírus atacou o irmão caçula do governador: Chris Cuomo, jornalista da CNN, está doente mas continua apresentando seu programa do porão de casa. 

Os dois trocam alfinetadas e frases ácidas cada vez que um Cuomo aparece no programa do outro. Numa dessas entrevistas, o irmão jornalista disse que, enquanto delirava de febre, viu o irmão governador visitá-lo vestido de bailarina e segurando uma varinha de fada. Em outra, o jornalista perguntou se o governador pensa em se candidatar a presidente, agora que sua popularidade explodiu. (Hein, Mandetta?) Visivelmente irritado, o Cuomo político respondeu com sete nãos consecutivos ao caçula.

De sangue italiano e formado em direito, Cuomo já foi procurador-geral do estado e é filho de uma das maiores figuras da história do Partido Democrata:  Mario Cuomo, falecido em 2015 e governador de Nova York por três mandatos.

Mais do que fazer sua popularidade subir, o trabalho de Cuomo tem unido os novaiorquinos e o País em torno do drama do Estado.

Mais de 85 mil profissionais de saúde se voluntariaram para trabalhar nos hospitais de NY, 22 mil deles de fora do estado. Cuomo assinou uma ordem que permite que estudantes de medicina prestes a se formar arregacem as mangas e trabalhem na linha de frente, e criou a campanha “Por quem você está ficando em casa?” 

Tomada pelo som angustiante das sirenes, a cidade de Nova York também faz sua parte: pipocam fundos online criados por moradores para bancar a alimentação das equipes médicas. E toda noite, Manhattan vai para a janela aplaudí-los. 

Num mundo em que o negacionismo e o obscurantismo científico ainda prosperam aqui e ali, Cuomo confia apenas em dados e números como ponto de partida para qualquer ação, e diz que seu papel é escutar os especialistas. (Ele gosta de repetir o lema da bandeira do Estado — “Excelsior”, ou “mirar alto, dar o melhor de si”, — ao qual, dois anos atrás, propôs adicionar a frase que está no Selo dos Estados Unidos: “E pluribus unum”, ou “De muitos, um”, ou seja, ninguém faz nada sozinho.) 

Sua estratégia é focar no topo da curva, o ápice do número de doentes a serem atendidos ao mesmo tempo. E como o pico não vai acontecer ao mesmo tempo em todos as regiões do estado, ele usa a média de três ou quatro noites de internação na UTI para calcular a progressão do número de doentes, e espera nunca ter que encarar o pior cenário. 

Mas se isso ocorrer, o governador quer ter tudo a postos. No pico da tragédia, as projeções variam entre 110 mil e 140 mil camas hospitalares necessárias, mas a cidade tem só 33 mil. Ainda seriam necessários 30 mil respiradores artificiais. 

A boa notícia é que os nova-iorquinos estão obedecendo ordens, ficando em casa e achatando a curva.  O número de camas usadas até sábado não ultrapassava 19 mil.

Cada respirador custava US$ 25 mil, mas o preço já está em US$ 45 mil.  Os próprios estados estão competindo entre si pelos respiradores, e o leilão joga os preços para cima. Cuomo reclama da falta de coordenação, que seria responsabilidade de Washington.

Apesar disso, a relação com Donald Trump tem sido amistosa, e o estado tem recebido quase tudo que pede, incluindo um navio militar equipado com mais mil camas, 12 salas de operação e material médico para aliviar os hospitais locais. Cuomo planeja ainda um sistema que unifique os hospitais: os mais sobrecarregados poderão remover pacientes para outros, dentro do estado. 

Ele insiste que Nova York não tem que se preocupar em “quando” voltar à vida normal. A pergunta deve ser “como.” 

E para animar os deprimidos, Cuomo sugere que eles vejam o lado bom do lockdown, como as horas de conversa que ele mesmo passou a ter com suas duas filhas. “Depois elas casam e sei lá para onde vão!”, brinca. Numa das coletivas, o governador passou dez minutos discorrendo sobre os almoços dominicais de sua família italiana, que agora passaram a ser virtuais.

O carisma e a humanidade de Cuomo lhe renderam o apelido de LOVE GOV, e podem render dividendos políticos no longo prazo.  Mas quem tocar no assunto agora, vai tomar sete “nãos” como resposta.

 

Na foto acima, o governador e seu irmão jornalista ‘duelam’ ao vivo na CNN.