PARIS – Minha história com o Tião começou em Vitória, quando eu tinha 17 anos e ele, 19. Nossos caminhos se cruzaram na Aliança Francesa. Aos sábados, depois das aulas, adorávamos pizza, cerveja e cinema. Eram momentos simples mas repletos de sonhos de uma vida juntos na Europa, especialmente na França. Sempre fizemos tudo lado a lado, com projetos para a família, a fotografia e a ecologia.
Nossa história de amor e arte começou em 1967. Em 1969, fugimos da ditadura militar no Brasil para Paris, antes que fôssemos torturados ou presos. Tião fez sua primeira foto em 1971, quando me flagrou em Alta Saboia e disse que ali se apaixonou pela fotografia. Ele, que era economista, apurou seu olhar com minha paixão pela arte, enxergando a fotografia como uma composição geométrica.
O Tião foi fotógrafo desde 1973, dedicou 52 anos à sua paixão. Ele amava observar a luz no nosso estúdio em Paris, às margens do Canal Saint-Martin. Hoje, ao organizar as mais de 500 mil imagens que ele capturou em mais de 100 países, encontro não só fotos, mas memórias vivas do trabalho e da nossa jornada. A cada gaveta que abro é uma memória que se aflora.
Nos últimos 15 anos, o Tião lutou contra um tipo de malária severa, que contraiu em viagens a trabalho. Infelizmente, a doença evoluiu para leucemia, e ele nos deixou rapidamente. Uma semana antes de sua partida, ele ainda fez um esforço imenso para dar uma entrevista de rádio sobre o trabalho do nosso filho, Rodrigo.
Ele partiu no dia 23 de maio, aos 81 anos, um dia antes da inauguração da exposição de arte do Rodrigo em Reims. Ver o Rodrigo, nosso filho de 45 anos com Síndrome de Down, ao lado do pai no hospital foi muito tocante. Ele ficou assustado, e pensamos em adiar, mas sabíamos que o Tião não ia querer. Pelo Rodrigo ele faria qualquer coisa. Por isso, a exposição aconteceu, e Rodrigo encontrou conforto e alegria ao lado do irmão mais velho, Juliano.
O Tião partiu em paz, livre da dor, às 14h20 daquele dia. As lágrimas do Rodrigo, e as minhas, mostram a dor da perda, mas também o amor que fica. Todas as noites Rodrigo chora a ausência do pai. Eu também choro.
O Rodrigo é um artista desde pequeno, desenhava desde os oito anos. Apesar de sua própria luta contra o envelhecimento acelerado, comum na Síndrome de Down, a alegria dele pela arte sempre brilhou intensamente.
Além da exposição do Rodrigo, estamos seguindo em frente com as exposições do Tião na Europa, Gênesis e Geleiras, e uma sobre a Amazônia que irá para a COP-30 no Brasil em novembro. Temos muito trabalho pela frente e vou honrar todos os nossos contratos. A vida continua, e a única certeza é que um dia todos partimos, mas até lá, vivemos, amamos e lembramos.
As cinzas do Tião serão depositadas no Instituto Terra, fundado por nós em 1998 para restaurar a floresta na fazenda onde ele nasceu em Aimorés. Ele será adubo para uma árvore. Vai virar uma árvore maravilhosa, um símbolo de vida.
A ideia do Instituto foi minha. Sempre amei plantas, inspirada pelo jardim da minha mãe. Esta atividade ajudou o Tião a sair da depressão, porque ele não aguentava mais ver tanta desumanização mundo afora.
Já plantamos 3 milhões de árvores para recuperar a Mata Atlântica e promover o desenvolvimento rural. Vamos triplicar essa marca! Em 2020, o Zurich Insurance Group se juntou a nós nessa missão, apoiando o plantio de 1 milhão de árvores como parte do Zurich Forest Project. Compramos muitas fazendas ao redor da nossa, onde fica o Instituto.
No final do ano passado, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, pediu ao Tião uma foto diferente da cidade para um cartão de Natal. Ele passou um mês procurando novos ângulos e tirou uma linda foto de La Petite Ceinture, onde hoje tem uma floresta sobre antigos trilhos de trem. Era um projeto que ele queria dar continuidade com novas fotos de Paris.
Eu também ajudei ele neste projeto, aliás, sempre ajudei o Tião no trabalho, sobretudo depois que Rodrigo nasceu e eu tive que abdicar da minha carreira de arquiteta. Gostei muito e ainda gosto de trabalhar com imagens. Até pensei em ser fotógrafa, mas não poderia ser concorrente do meu próprio marido.
Tião sempre lutou pela paz e sofria muito com o sofrimento alheio, querendo denunciar para que as maldades acabassem. Infelizmente, ele partiu sabendo que a bestialidade humana ainda não tem limites, como vemos nas guerras atuais.
Em depoimento a Ivna Chedier Maluly.