Dificilmente o RH do setor público ocupa as manchetes dos jornais, mas a tentativa de mudança da Lei das Estatais tornou-se uma excelente oportunidade de discutirmos questões essenciais para a qualidade da gestão pública no Brasil.

Quem deve ocupar os cargos críticos no governo? Quais devem ser os procedimentos de escolha dos cargos que influenciam os rumos do desenvolvimento do País?

Não cabe aqui fulanizar o mérito da indicação desta ou daquela pessoa, mas analisar como o ímpeto em ampliar a participação dos políticos na gestão das empresas públicas se tornou motivo para acelerar este processo de revisão da Lei das Estatais.

As mudanças discutidas desincentivariam a adoção de critérios meritocráticos para a composição da alta administração de empresas públicas, afetando a nomeação de milhares de lideranças em posições-chave para a implementação de políticas públicas – especialmente em estados e municípios, os níveis de governo que mais sofrem com o déficit de capacidade administrativa.

Todo o enredo envolvendo a votação-relâmpago na Câmara  – sem consultar os múltiplos atores envolvidos – inspira desconfiança e maus presságios.

Para que aprovar, a toque de caixa, a redução para 30 dias da quarentena de pessoas que participaram de campanhas eleitorais?

Em sua forma atual, a Lei das Estatais veda a indicação para a presidência ou direção de empresas públicas de pessoas que tenham atuado, nos últimos 36 meses, na estrutura decisória de partidos políticos ou em trabalho vinculado à organização, estruturação e realização de campanhas.

De um lado, a aprovação do projeto ocorre no momento em que os governadores e o presidente eleito finalizam os cálculos que envolvem a composição de suas equipes.

De outro, as articulações em torno da aprovação do projeto sugerem que não se trata de uma mudança casuística, mas de uma estratégia que abre as portas para o Centrão, partidos e sindicatos ocuparem centenas de cargos estratégicos (considerando apenas o governo federal).

À essa altura, saber se a mudança beneficia o PT, o Centrão ou quaisquer outros partidos é o menos relevante. Importa é quem perde.

Perdem a gestão pública, a transparência, a eficiência, a visão de longo prazo, o profissionalismo e a capacidade das estatais de gerar valor público. Perde o Brasil.

É preciso reconhecer que, quando aprovada, a Lei das Estatais representou uma transformação importante da lógica de escolha do segmento dirigente de um dos setores mais estratégicos do serviço público no Brasil – as empresas públicas.

Assim como o restante da Administração, as estatais foram historicamente marcadas por nomeações discricionárias, sem incentivos ao alinhamento entre a confiança política e os critérios de competência gerencial.

Isso deprime a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e na capacidade da gestão pública em gerar valor para as pessoas que mais precisam.

Como qualquer legislação, a Lei das Estatais pode ser aperfeiçoada, e os interesses em favor de sua alteração são legítimos e não surgiram ontem. Por não contar com um mecanismo de enforcement próprio, a aplicação da lei depende da interpretação de múltiplos atores – o que abre espaço para interpretações criativas, como as adotadas nos últimos anos para justificar nomeações em empresas importantes como a Petrobrás.

Seja por conta de ter sido aprovada pelo Congresso, seja por contar com mecanismos de implementação flexíveis, é um exagero argumentar que a Lei das Estatais seja um mecanismo de criminalização da política. Longe disso.

A legislação representa um esforço de convergência entre o ordenamento jurídico brasileiro e o estado da arte das diretrizes de integridade e boa governança estabelecidas pela OCDE.

A definição dos ocupantes dos cargos políticos pela nova coalizão de governo é uma forma legítima de exercício da política, e a inovação introduzida pela Lei das Estatais não nega esta realidade.

Alterar os requisitos de qualificação e experiência profissional para a indicação dos dirigentes das estatais seria um retrocesso.

Joice Toyota é cofundadora do Vetor Brasil e membra do Movimento Pessoas à Frente.

Rafael Leite é especialista em reforma e modernização do Estado e pesquisador associado ao think tank sul-africano Government and Public Policy (GAPP).