Em meados de fevereiro, o CEO da Kroton, Rodrigo Galindo, pediu uma reunião com João Cox, presidente do conselho de administração da Estácio. Os executivos se encontraram a sós.

Galindo colocou sobre a mesa algumas folhas de papel impresso e disse: “Tenho aqui emails que mostram que o CEO da Estácio [Pedro Thompson] está trabalhando contra a fusão, violando o compromisso que vocês assumiram de apoiar a transação.”

Cox ainda se recuperava do choque da informação quando Galindo arrematou: “Se a fusão fracassar por causa disso, vou processar vocês.”

A reunião não durou muito mais, mas Galindo não quis deixar os papéis com o chairman da Estácio, que pôde apenas ler o email apenas brevemente.

Nos dias seguintes, pelo menos 10 pessoas na Estácio — incluindo seus oito conselheiros — ficaram sabendo do ocorrido.

A primeira delas foi Thompson. Cox perguntou ao CEO se o email que Galindo lhe havia mostrado era legítimo. O CEO respondeu que sim, e disse que estava apenas “mapeando cenários do que aconteceria com a Estácio se o CADE impusesse muitas restrições à operação.”

Na semana seguinte, Cox reuniu o conselho para decidir o que fazer.

Uma das decisões foi não dar publicidade ao ocorrido; quatro semanas depois, esta decisão se mostraria equivocada.

Outra foi aplacar Galindo: de comum acordo com o CEO, o conselho decidiu remover Thompson de todos os assuntos relacionados ao CADE, criou um comitê para passar a acompanhar o processo, e demitiu o Demarest, o escritório que assessorava a empresa em assuntos regulatórios.

A terceira decisão: contratar uma empresa para investigar como Galindo botou as mãos num email do CEO da concorrente, num momento em que as duas empresas ainda são apenas isso, já que o CADE ainda não aprovou a compra. (A Kroton disse hoje que recebeu o email anonimamente, ‘em envelope não identificado’, pelo correio.) Dentro da Estácio, esta investigação continua.

Cerca de um mês depois da reunião Cox-Galindo, o email interceptado pousou hoje na primeira página do Valor, e a Estácio respondeu com um fato relevante que narra os eventos acima (noves fora os detalhes).

O ‘emailgate‘ é apenas a fachada de uma guerra fria que envolve, nos bastidores, investigações sobre espionagem industrial, a crença da Kroton de que o CEO da Estácio teria o poder de sabotar a transação, e uma crescente animosidade entre os dois lados no momento em que a decisão do CADE se aproxima.

Também revela o estilo de cada um dos jogadores num Game of Thrones corporativo que não derrama sangue, mas faz ele ferver.

Galindo é um homem com uma missão. Um dos mais ambiciosos CEOs brasileiros, comanda o que já é a maior empresa de educação do mundo, e está tentando aprovar no CADE a compra da Estácio, que deixará a Kroton ainda maior. Para atingir este objetivo, não viu problema em usar um documento apócrifo, obtido ilegalmente por ainda não se sabe quem e recebido ‘pelo correio’, como argumento.

Cox — um executivo experiente com passagem por vários conselhos — continua ‘playing defense‘. Em vez de dizer ao mercado o que estava acontecendo logo que foi abordado por Galindo, e em vez de explicar a posição da Estácio sobre o cenário pós-transação, preferiu lidar com o assunto dentro de casa.

É possível que Thompson — um ex-banqueiro do BTG e ex-CFO da Estácio que se tornou CEO aos 32 anos — não morra de amores pela transação, e é comum que CEOs de empresas sendo adquiridas tentem sabotar a compra para preservar o emprego.

Também é possível também que Thompson, como diz o Valor, tenha tentado ‘denegrir’ a imagem da Kroton com matérias críticas ao uso que a empresa fez do FIES. Essas críticas se avolumaram nos últimos meses.

Tudo isso é possível, mas seria muita presunção da parte de Thompson ou muita obsessão da parte de Galindo.

Primeiro, porque é improvável que a Estácio tenha a capacidade de ‘plantar’ notícias em lugares tão distintos quanto VEJA, Valor, Brazil Journal e, principalmente, entre investidores do mercado financeiro, que conhecem profundamente o setor e têm liderado as críticas.

Segundo, porque o problema real de Galindo não trabalha na sede da Estácio, no Rio, e sim nos gabinetes do CADE, em Brasília.