“O Brasil é uma mãe: abraça todo mundo.  Ai, Brasil…”

Essas frases ingênuas, entre espasmos de choro, foram ditas olhando para a câmera por um parente de Moïse Kabamgabe, um jovem nascido no Congo e assassinado a golpes de taco de beisebol por cinco brasileiros, na Barra da Tijuca.

O parente de Moïse estava em busca de uma empatia que o Rio de Janeiro ainda não conseguiu demonstrar.

O crime aconteceu na segunda-feira da semana passada (24), mas só começou a aparecer na imprensa carioca no final de semana – e só depois de a família e os amigos fazerem um protesto para chamar a atenção da cidade.

Moïse veio para o Brasil em 2011 com a mãe e os irmãos. Fugia da guerra étnica e da fome no Congo. “Nesses anos todos, o meu filho virou um brasileiro. Tudo dele era do Brasil,” a mãe de Moïse disse ao repórter Rafael Nascimento. “A gente chegou aqui e os brasileiros sempre foram pessoas boas. Mas, hoje, não sei mais.”

Aqui, na terra prometida, o jovem de 24 anos trabalhava recebendo diárias no quiosque Tropicália, no Posto 8 da praia da Barra.

Segundo a família, Moïse foi cobrar do dono do quiosque duas diárias atrasadas.  Câmeras de segurança mostram uma discussão. O sujeito do quiosque chama reforços, e o jovem acaba espancado e amarrado a uma escada. Os assassinos saem de cena entrando em um condomínio.

Você não precisa saber exatamente como tudo transcorreu para saber que algo está muito errado.  A barbárie de uma gangue arrebentando um jovem.

Um jovem preto.

Um jovem preto estrangeiro.

Um jovem preto estrangeiro trabalhando para ajudar a família.

De repente, Moïse se viu naquela esquina perigosa em que se encontram o problema de classe, a questão racial e a brutalidade hoje intrínseca à vida no Brasil.

O estômago embrulha. A fé no ser humano evapora.

Yannick Kamanda, um parente de Moïse que assistiu às imagens do assassinato gravadas por câmeras de segurança, falou com a TV Record.

O repórter perguntou-lhe se os assassinos tiveram motivação xenofóbica.

“Aquele sangue-frio que tiveram, de revezar a tortura, passando o taco de beisebol um para o outro, tem a ver com xenofobia.”

Yannick falou ainda sobre a conversa com o dono do quiosque após o crime.

“Após conversamos, o dono do quiosque levantou e foi buscar o carro para irmos à delegacia. Quando ele voltou, estava acompanhado de dois agentes da PM. Os dois mesmos agentes que aparecem no vídeo, no dia do assassinato.”

Yannick disse ter se sentido pressionado, e que os PMs só levaram os familiares à delegacia, e não o dono do estabelecimento.

Ele pede que a Polícia Federal entre no caso.

Dado o grau de covardia, a pouca atenção que o caso tem recebido aumenta o escândalo. Até ontem à noite, nem o Prefeito Eduardo Paes nem o Governador Cláudio Castro haviam se manifestado ainda.

Quem mora no Rio conhece a rotina: quando as tragédias pessoais levam os filhos da Zona Sul, a atenção dada é outra. Não falta cobertura nos jornais, dia sim, dia também.

Mas Moïse era só um imigrante longe de casa – tentando sobreviver na selva, em meio a animais selvagens.